Hexa com asterisco
Por Fernando Molica em 07 de dezembro de 2009 | Comentários (15)
Em meio às comemorações pela vitória do Flamengo, vale lembrar: de acordo com o site da entidade que organiza o campeonato brasileiro, a CBF, o time da Gávea conquistou, neste domingo, seu quinto título brasileiro – o que, vale ressaltar, é um grande mérito. O campeonato de 1987 (um dos contabilizados pelo Flamengo para formar o hexa) foi, segundo a CBF, conquistado pelo Sport Recife. É por isso que, volta e meia, jornais publicam um asterisco ao lado do título que o Flamengo sustenta ter conquistado. Um asterisco que remete para uma explicação sobre o caso.
A história é meio complicada: em 1987, em meio ao caos do nosso futebol (o campeonato brasileiro anterior teve 80 times!), grandes clubes, ancorados em bons patrocinadores (Varig, Rede Globo e Coca-Cola), escantearam a CBF, fundaram o Clube dos 13 e decidiram fazer sua própria competição, a Copa União, que teria 16 participantes. Do torneio fizeram parte alguns dos mais importantes clubes brasileiros, todos convidados pelo Clube dos 13.
A tal Copa já começou de forma errada: seus organizadores, de olho na rentabilidade da competição, deixaram de fora times na época importantes, como o Guarani, vice do Campeonato Brasileiro de 1986, e o América do Rio, quarto colocado naquela mesma disputa. O problema é que eles tinham poucos torcedores. Ou seja, a Copa União não pode ser chamada de primeira divisão do campeonato brasileiro: dois dos principais times de então ficaram de fora (no lugar deles entraram Goiás, Coritiba e Santa Cruz, clubes populares que atrairiam mais público e audiência).
Os times que ficaram de fora reclamaram. Depois de definido o regulamento da tal Copa, a CBF entrou em campo e resolveu tentar ajeitar aquela história, até porque a rebelião dos clubes poderia trazer problemas com a Fifa. A solução encontrada foi meio esquisita: a entidade incorporou a Copa União a um novo campeonato, dividido em quatro módulos: Verde (a própria Copa União), Amarelo, Azul e Branco. O campeão sairia do cruzamento entre os dois primeiros colocados do Verde e dois primeiros do Amarelo. O Clube dos 13, que apoiara a tentativa de conciliação, chiou com a história do cruzamento – mas bola rolou: no dia 11/9/87, Palmeiras e Cruzeiro disputaram o primeiro jogo da Copa União/Módulo Verde; dois dias depois, começou o Módulo Amarelo. Ah, a bola não rolou para todos: revoltado por ter ficado de fora da Copa União,o América resolveu não disputar o Módulo Amarelo.
No fim das contas, na hora do cruzamento final, Flamengo e Internacional (vencedores do Verde) bateram pé e não participaram dos jogos contra Sport e Guarani (os mais bem colocados do Amarelo). As partidas foram marcadas, mas jogadores de Flamengo e Inter não apareceram para jogar – os times perderam por WO. As imagens dos estádios vazios são patéticas. Gostaria de revê-las.
Resultado: Sport campeão brasileiro; Guarani, vice. É o que aparece no site da CBF (ver lista abaixo), apesar das reclamações do rubro-negro carioca. Um troféu de bolinhas para quem descobrir quem foram os representantes brasileiros na Libertadores de 1988 (na época, eram dois os times escalados): claro, Sport e Guarani.
Há justiça na decisão da CBF? Não sei, o Flamengo e o Inter eram melhores que Sport e Guarani, ganhar o Módulo Verde certamente foi complicado. Os times da Copa União eram, de um modo geral, bem mais fortes que os do Módulo Amarelo.Mas, insisto, a exclusão de Guarani e América do torneio representou um pecado original, que descaracterizou a tal primeira divisão. Talvez tivesse sido melhor que Flamengo e Inter tivessem entrado em campo e disputado o tal cruzamento. A CBF, afinal, é tão boa ou tão ruim quanto os clubes e seus dirigentes. Não há anjos nesta história.
A solução para o problema não é simples: a eventual divisão do título entre Flamengo e Sport equalizaria os módulos Verde e Amarelo, ambos passariam a ter o mesmo peso, o que consagraria a solução criada, na época, pela CBF. Neste caso, teria sido melhor fazer mesmo o cruzamento. Também seria injusto cassar o título do Sport, que cumpriu as regras da CBF. É provável que o Flamengo – que tinha um belo time, com Zico, Andrade, Leonardo, Leandro – tivesse vencido os confrontos. Isso o teria livrado daquele asterisco que, até hoje, para a alegria dos não-rubro-negros, relativiza a conquista de 1987.
CAMPEÕES
2008 – São Paulo (São Paulo)
2007 – São Paulo (São Paulo)
2006 – São Paulo (São Paulo)
2005 – Corinthians (São Paulo)
2004 – Santos (São Paulo)
2003 – Cruzeiro (Minas Gerais)
2002 – Santos Futebol Clube (São Paulo)
2001 – Atlético Paranaense (Paraná)
2000 – COPA JOÃO HAVELANGE – Vasco da Gama (Rio de Janeiro)
1999 – Corinthians (São Paulo)
1998 – Corinthians (São Paulo)
1997 – Vasco da Gama (Rio de Janeiro)
1996 – Grêmio (Rio Grande do Sul)
1995 – Botafogo (Rio de Janeiro)
1994 – Palmeiras (São Paulo)
1993 – Palmeiras (São Paulo)
1992 – Flamengo (Rio de Janeiro)
1991 – São Paulo (São Paulo)
1990 – Corinthians (São Paulo)
1989 – Vasco da Gama (Rio de Janeiro)
1988 – Bahia (Salvador)
1987 – COPA UNIÃO – Sport Recife (Pernambuco)
1986 – São Paulo (São Paulo)
1985 – Coritiba (Paraná)
1984 – Fluminense (Rio de Janeiro)
1983 – Flamengo (Rio de Janeiro)
1982 – Flamengo (Rio de Janeiro)
1981 – Grêmio (Rio Grande do Sul)
1980 – Flamengo (Rio de Janeiro)
1979 – Internacional (Rio Grande do Sul)
1978 – Guarani (Campinas)
1977 – São Paulo(São Paulo)
1976 – Internacional (Rio Grande do Sul)
1975 – Internacional (Rio Grande do Sul)
1974 – Vasco da Gama (Rio de Janeiro)
1973 – Palmeiras (São Paulo)
1972 – Palmeiras (São Paulo)
1971 – Atlético Mineiro (Minas Gerais)
Só para ops amigos saberem, as maiores médias de público dos últimos campeonatos: 2000: Fluminense 20.219 2001: Atlético Mineiro 30.679 2002: Fluminense 25.666 2003: Cruzeiro 26.366 2004: Corinthians 13.547 2005: Corinthians 27.330 2006: Grêmio 25.630 2007: Flamengo 39.221 2008: Flamengo 40.695 Meu Flu, com uma torcida que não chega a um terço da do Flamengo, emplacou duas maiores médias. E esteve sempre entre as melhores colocações.
Marcelo MoutinhoRenata, também acho que especificamente a torcida do Botafogo (é a ela que vc se refere quando fala em 7 mil) tem deixado a desejar neste sentido. Conversei isso com o próprio Molica. Quanto ao número de títulos, o que eu disse é que não consultei a estatística relativa a títulos para escolher meu time, e acho que pouquíssimas pessoas fazem isso quando abraçam um clube. E é por esta razão que acho boba a obsessiva menção a quantidade de titulos quando há um debate futebolístico entre torcedores de dois clubes. Talvez eu não tenha sido claro antes.
Marcelo MoutinhoRenata, vou tentar levar a bola para um campo menos emocional. Há por aí um livro chamado "Cem anos de paixão", da Cláudia Mattos (jornalista, trabalhei com ela na Folha). O livro, lançado pela Rocco há alguns anos, traça um espetacular panorama da formação das torcidas cariocas. Ela acabou fazendo um livro sobre o Rio, sobre nossas paixões. A tese para a identificação popular com o Flamengo é bem interessante, desde o início, o time foi visto como porta-voz de rebeldia, de inconformismo. Ela sustenta que isso ajudou na popularização do clube (li o livro há muito tempo, não tenho os argumentos de cabeça) Os pit-torcedores do Baixo Gávea tiveram seus antepassados. O engraçado é que ela teve muita dificuldade para caracterizar uma torcida - adivinhe qual? A do Botafogo, claro. Desde sempre somos pouco óbvios... Abraços.
Fernando MolicaOi Molica ! Tudo isso tem uma culpada e se chama REDE GLOBO DE TELEVISÃO que se acha tão poderosa ao ponto de praticar a desobediência civil e imbecilizar milhões de brasileiros. Agora está aí o resultado: um orgão de imprensa, que deveria cumprir seu dever sagrado de informar ( como o faz você) deixando o coitado do povo iletrado fazer o papel de trouxa. Lastimável...
CastroQuerido Moutinho. Concordo contigo: a torcida do Flamengo é muito maior e lotar estádio é fazer não mais que a obrigação. Então, te pergunto: senão os títulos e os méritos históricos e reais, quais seriam os fatores obscuros sócio-econômico-etílico-geo-político-anárquico-bio-físico-anatômico-culturais que fariam o Rubro ter uma torcida tão maior? e; por que há torcidas (e aqui não falo dos tricolores que estiveram incansáveis ao lado do Flu) que não honram as camisas e as trajetórias de seus times e não passam NUNCA de 7 mil torcedores nas arquibancadas?. Francamente... muito feio isso... Acho que nenhum clube merece tamanha desfeita. E não me digam que o sujeito torce de qualquer jeito, em casa ou no estádio, porque não é verdade. Um time precisa de apoio vindo dos degraus. Abraços.
Renata WerneckRenata, concordo com vc e Edu quanto ao hexa. É hexa mesmo. Agora, lotar estádio é fazer não mais que a obrigação, para um time cuja torcida é 3 a 4 vezes maior do que as demais do Rio de Janeiro. Se você considerar a proporção (quantidade de gente no estádio x tamanho da torcida), o que seria mais correto nessa comparação, você verá que não há discrepância, pelo menos quanto a Vasco e Flu. A torcida do Botafogo, realmente, tem ido bem menos.
Marcelo MoutinhoCaro, segundo o GE, o site da Fifa cita o material de agências internacionais. Pelo visto, elas se basearam nos jornais do Rio, que manchetaram o tal do hexa. Se aqui no Brasil muita gente não sabe da história de 1987 (já faz tempo...), imagine os assessores de imprensa da Fifa. A Fifa noticiar não tem nada a ver com reconhecimento oficial do título de 1987. Até porque não cabe à Fifa fazer este reconhecimento, isso é com a CBF. Só pra terminar, uma simpática provocação: o que você diria para um aluno que, numa prova, tivesse que responder o nome do campeão brasileiro de 1987? Qual o clube que ele deveria citar na resposta? Abração.
Fernando MolicaCaríssimo, obrigado. Eu, que não sou repórter como você, não fui ao site da Fifa em busca da notícia. Mas isso foi registrado no site do Globo Esporte, nesse link - http://globoesporte.globo.com/Esportes/Noticias/Futebol/0,,MUL1405563-9842,00.html. Espero que o GE não tenha inentado isso. Abraços!
Diego MoreiraCaríssimo, em primeiro lugar, parabéns. Em segundo: pelo que sei, a Fifa reconheceu o Flamengo como campeão da Copa União, mas garante ao Sport o título de campeão brasileiro. Até procurei a informação no site da Fifa (dei uma rápida olhada e não a encontrei). De qualquer forma, é curioso que a Fifa reconheça um campeão de torneio que ela não organizou. E, por falar em reconhecimento: também pelo que sei, a Fifa também não reconhece aquela taça que vocês (brilhantemente) conquistaram em Tóquio. Mas, enfim, mande os links que os registrarei no blog. Abração.
Fernando MolicaMorte à CBF - mãe da zona que foi o campeonato de 86 - e seis vivas glorificando a FIFA, que reconhece Todos os títulos do Flamengo! p.s.: só pra manter o espírito da polêmica. p.s.: subscrevo-me, comovido, ao último comentário do leitor Eduardo Carvalho.
Diego MoreiraO Flamengo é indiscutivelmente o time de melhor campanha em 2009, no Estadual e no Brasileiro! Merecidamente Penta Tri Estadual e Hexacampeão Brasileiro. O Rei do Rio e do Brasil está onde sempre esteve e mereceu: na elite do Futebol Brasileiro, nunca fora nem abaixo disso. Orgulho e glória de uma nação que, sem nenhum apelo, lota o maior estádio do mundo (repetidas vezes)! Com o rubro, não tem lugar vazio em estádio, nem mosaico azul. O resto é balela! Saudações rubronegras! Em tempo: não há vergonha em perder, mas vamos combinar, descer é mais do que perder e o Flamengo nunca impôs isso à sua torcida.
Renata WerneckCaríssimo Eduardo, toda a minha argumentação é baseada em fatos. Se houver algum erro ali - pode haver - é só registrá-lo. Dizer que o Flamengo é o campeão de 87 implica na cassação do título do Sport, o que não é justo. O Sport não tem culpa de não ter sido convidado, pelo Clube dos 13, para jogar a Copa União. Participou da competição organizada pela CBF, e a venceu. Sim, o Botafogo já foi rebaixado - e voltou para a primeira divisão de forma digna. Perder faz parte da vida, não há vergonha nisso. Como diz o Ricardo, no post anterior, não vencemos sempre, volta e meia apanhamos. No mais, dê uma olhada no comentário feito pela Amanda. Achei interessante o que ela disse: gestos de coragem têm seu preço. O Flamengo, ao não entrar em campo para jogar contra o Sport, assumiu que perderia o título de campeão de 87 (e, olha, se fosse com o Botafogo, acho que teríamos feito o mesmo. Repito o que disse no post, até hoje não sei o que teria sido mais justo. Só sei que a entidade que organiza o Campeonato Brasileiro - inclusive este que vocês acabaram de vencer - diz que o Sport é o campeão de 87). Abraços, parabéns... pelo título. Molica
Fernando MolicaMolica, meu caro, fui falar isso no blog também, e o pessoal já levantou da cadeira se exaltando e tal. Mas paciência. Flamengo é penta mesmo ou, no máximo, como você bem disse, hexa com asterisco.
Rafael RodriguesMolica, com todo o respeito que você e as pessoas de bem merecem, é tudo bobagem. Quem é do futebol, quem gosta de futebol - o que É o seu caso - SABE que o campeão brasileiro de 87 é o Flamengo. No mais, melhor um campeão com asterisco do que times que foram rebaixados sem asterisco nenhum. Grande abraço.
Eduardo CarvalhoOs flamenguistas alegam que ninguém aceitaria jogar com o Sport. Concordo, mas reconheceríamos que tal coerência tem seu preço. Em 1987, em protesto, o Flamengo não jogou a final e nem vice foi. E o que deveria ser motivo de orgulho, um boicote heróico, virou motivo de "apelação". Talvez, o Flamengo não seja chegado à coerência, porém, os experientes ensinam: Temos que abrir mão em prol do que achamos justos, do que acreditamos. Houve boicote e o preço foi entregar o título ao Sport. E, em vez de sair dessa como o corajoso, saiu como factóide. Parabéns pelo Penta!! Hexa, talvez no ano que vem!
Amanda Raiter