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O diário de um Eduardo Cunha muito engraçado


Por Fernando Molica em 31 de maio de 2017 | Comentários (0)

Como muita gente, fiquei meio desconfiado ao saber do lançamento, pela Record, do ‘Diário da cadeia’, uma ficção escrita por Eduardo Cunha (pseudônimo). Tanto que não me animei muito a encarar suas 191 páginas. O estímulo para a leitura viria do Eduardo Cunha (o próprio), que chegou a conseguir uma liminar que proibia o livro – por conta de uma ordem judicial, o verdadeiro autor acabaria sendo revelado, trata-se do Ricardo Lísias (o próprio, não o personagem de ‘Divórcio’).

Semana passada, saí de um debate com o Lísias e o Carlos Andreazza (o editor verdadeiro, não o editor-personagem do ‘Diário’) decidido a começar a leitura – não me arrependi, o romance é divertidíssimo. Mais, fica evidente que a decisão de atribuir sua autoria ao EC-pseudônimo faz todo o sentido. Um livro é uma ficção narrada por um personagem, personagem construído por Lísias e que é livremente inspirado no EC (o próprio).

A grande sacada de Lísias foi levar EC a sério – algo que gera a farsa que viabiliza a comédia. Em seu ‘Diário’, uma narrativa confessional, que num primeiro momento não seria destinada à publicação, EC (pseudônimo) surge como alguém sincero, que acredita mesmo em Deus, que cita frases bíblicas, que não se vê como corrupto, que se considera alguém fundamental para o desenvolvimento brasileiro.

Um homem fascinado por arquivos, paranoico, vaidoso, autorreferente. Um autor que não admite que seu texto seja revisado; por conta disso, ao dizer que colocaria algo em xeque, escreve a palavra com “ch” – um ato falho compreensível, EC não desprezaria um cheque.

O político que, ainda presidente da Câmara, sustentava não ter contas na Suíça, mas “trusts”, rejeita, em seu diário fake, a classificação de corrupto. Diz que políticos trabalham demais, fazem hora extra, e é razoável que recebam por este esforço. Para não sangrar os cofres públicos, a remuneração adicional viria de empresários: “Tomamos esta decisao para o Estado economizar e poder cuidar melhor da saúde e da educação”, explica.

No ‘Diário’, Cunha demonstra orgulho por ter tirado o PT do poder e, assim, evitado que o Brasil se transformasse numa nova Venezuela, defende que aquilo que chamamos de corrupção não passa de uma bem montada engrenagem que leva ao progresso – dá como exemplo o crescimento do Rio de Janeiro durante o governo de Sérgio Cabral.

“O Brasil precisa voltar a respirar. Essa era a crença dele (Cabral) e por isso ele precisava de tanto oxigênio” – em conversas gravadas entre suspeitos de integrar o esquema liderado pelo então governador, a palavra “oxigênio” surge como sinônimo de propina.

EC (pseudônimo) elogia até mesmo Sérgio Moro, algoz do EC (o próprio). “É um juiz que não se intimida perante os advogados. Ele corta a voz deles e indefere tudo. (…). As vezes parece agir como eu agia na presidência da Câmara dos Deputados”. Até que EC (o próprio) poderia ter sido o autor deste trecho.

Ao rolar a bola para que EC apresente suas justificativas, Lísias nos apresenta a um personagem tão fascinante quanto o EC real. Um homem talvez mais correto que o EC (o próprio). O personagem de Lísias acredita em seus bons propósitos, em sua missão política, econômica e religiosa – e por isso é tão engraçado. Arrisco dizer que o EC (o próprio) vai rir muito de EC (pseudônimo).

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