O reencontro de Tom e João
Por Fernando Molica em 10 de junho de 2011 | Comentários (2)
Há quase 20 anos (!), a Brahma promoveu um show de João Gilberto no Teatro Municipal do Rio. Chamado de Show nº 1 (referência à campanha publicitária da cerveja), o espetáculo guardava uma surpresa, a participação especial de Tom Jobim. Um acordo com a Fischer – agência que cuidava da conta da cervejaria – possibilitou que a ‘Folha de S.Paulo’ (onde eu então trabalhava) inflitrasse repórteres nos bastidores dos ensaios e do espetáculo. Um deles fingiria que era publicitário e acompanharia um ensaio dos dois artistas; o outro exerceria o papel de garçom no camarim de João Gilberto. Desastrado, fiquei com medo de derramar café com leite no baiano e, assim, inviablizar o show. Plínio Fraga virou o garçom; eu, um (então) jovem publicitário. Nesta condição é que, num domingo cheio de sol, acompanhei o reencontro de dois dos meus maiores ídolos numa suíte do Caesar Park, em Ipanema. Uma tarde espetacular: o dia em que pude ouvir João cantar “Chega de saudade” a uns três metros de onde eu estava. Dois dias depois do show, a ‘Folha’ publicou o seguinte texto, que aqui reproduzo em homenagem aos 80 anos do João.
Chega de saudade: depois de muitos anos – seis ou 15, as versões são conflitantes – João Gilberto e Tom Jobim voltaram a se encontrar no domingo. Nada de abraços e carinhos sem ter fim: sorrisos, um aperto de mão, um arrastado “Oi, Tom”. Na véspera, João e Tom haviam conversado por uma hora e meia por telefone.
O encontro foi às 18h30 na suíte do 12º andar do hotel Caesar Park, em Ipanema, zona sul, onde João passou a semana que antecedeu ao show do Municipal. Acompanhado da mulher, Ana, Tom chegou às 18h20. João havia saído.
Ao chegar à suíte, Tom se decepciona ao ver o piano elétrico reservado para o ensaio. Calça branca, camisa larga branca e amarela, chapéu de palha, balança a cabeça ao tocar alguns acordes. “Não dá”, diz. Entre uma nota e outra, desiste de acender o charuto. “O João vai ficar zangado”, justifica.
Nisto, chega João. Cumprimenta Tom e Ana, lamenta a quebra da alça da caixa de seu violão e reclama do ar-condicionado. Preocupado com o show, João não dormia havia três dias – preocupação semelhante o fizera pedir, por três vezes, o adiamento da apresentação de anteontem, que estava prevista para agosto.
Ainda na suíte, João canta “Chega de Saudade”, que viria a abrir o bis no show. Decepcionado com o piano, Tom sugere que o ensaio seja em sua casa, o que é aceito por João. À espera do elevador, um silêncio constrangedor. Tom quebra o gelo: elogia a participação de João no comercial da Brahma e critica a “world music”. João concorda com um muxoxo.
No hall, Tom caminha na frente, João, de paletó cinza e tênis brancos, vai mais atrás, agarrado ao violão: passo tímido, quase caipira, pés um pouco virados para dentro. Atravessam o vidro da portaria do hotel e encaram, um ao lado do outro, a claridade de Ipanema. Vistos de costas, são personagens de uma não-realizada foto histórica: as duas silhuetas em contraluz emolduradas pelo mar de Ipanema.
O ensaio durou três horas. Anteontem, às 20h20, eles voltaram a ensaiar no Municipal. Já havia uma certa cumplicidade. Tom cantava uma brincadeira com o nome do parceiro de palco: “Viva o João Gilberto/ Viva o João do Prado/Vivia o João Gilberto Pereira de Oliveira.”
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Caro, não me lembro de ter feito qualquer alteração no texto. Acho que capturei o texto no arquivo da Folha, deve ter sido isso. Mas, enfim, peço desculpas por qualquer omissão. abraços. Molica
Fernando Molicasalve Molica, porq vc omitiu a referência a mim que vc fez no artigo original que inclusive reproduzi no meu blog? A história estava tão bonita e peculiar...essa forma comprimida tira muito do belo texto que vc escreveu...e me enganou, na época. abs Gil Lopes www.showbras.com.br
gil lopes