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Perigo da falta de conversa


Por Fernando Molica em 15 de dezembro de 2010 | Comentários (0)

Coluna Estação Carioca, jornal ‘O Dia’, 15/12/11

Outro dia, um promotor da área criminal desabafou com um vereador carioca: não estava sequer conseguindo dialogar com seus réus; a maioria, ligada ao tráfico de drogas. Os acusados não se recusavam a falar, mas o promotor não conseguia entender o que diziam. Aqueles homens tinham um repertório limitado a grunhidos e a algumas palavras.

O diagnóstico da falta de linguagem é assustador. Afinal, é por meio de palavras que pensamos, nos exprimimos, estabelecemos relações com o mundo. Em seu ‘Vidas Secas’, Graciliano Ramos utiliza a ausência de fala do vaqueiro Fabiano para reforçar seu embrutecimento, sua dificuldade de relacionamento com outros humanos. Fabiano, quase reduzido à condição de animal, invejava Tomás da bolandeira, que se expressava bem: era mais humano porque sabia falar direito.

Ao contrário do bandido tradicional, que circulava pela cidade até para poder cometer seus crimes, os traficantes de favelas cariocas passaram a ficar entocados, um modo de vida ligado à necessidade de conquista e defesa de territórios. Mandam e desmandam em seus morros, mas pouco saem de lá. Como resultado, foram limitando seus contatos aos iguais, marginais também isolados. Nas favelas, esses bandidos criaram um universo próprio: lá vivem, namoram, se divertem e se exibem. A comunicação também é adaptada a este mundo restrito. O exílio não faz apenas com que eles passem a ter dificuldade para falar: a linguagem limitada diminui seus horizontes e sua capacidade de entendimento. A comunicação fica mais difícil, assim como a possibilidade de admitir uma outra forma de vida. Sobra a vida bandida, resumida a uma interminável batalha entre amigos e inimigos.

Muitos dos atuais bandidos cresceram achando normal a opção pelo crime. Graças à ausência e à cumplicidade do Estado, acostumaram-se, desde pequenos, a ver marginais armados pelas ruas. A ocupação de favelas tem, entre outras vantagens, a de tornar o crime uma opção menos natural. Não é possível eliminar o tráfico, mas dá para impedir que bandidos se exponham armados em vias públicas. A atividade criminosa tem que ser clandestina, não pode ser vista como usual: isto ajudará crianças e jovens a perceber que, apesar das dificuldades, é melhor apostar numa vida que não implique no isolamento e na falta de diálogo. Cabe à sociedade se abrir para a conversa e, assim, estabelecer um acordo que ofereça opções para uma vida melhor.

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