Uma história que vem de longe
Por Fernando Molica em 28 de março de 2016 | Comentários (0)
A lista com nomes de 316 políticos de 24 partidos que teriam recebido dinheiro da Odebrecht serve para reiterar o quanto estão institucionalizadas as relações entre política e empresas. Uma história bem antiga. No livro ‘Estranhas catedrais — As empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-militar’, Pedro Henrique Pedreira Campos mostra como a ditadura foi generosa com organizações como a… Odebrecht.
Campos conta que, em 1969, o general-presidente Costa e Silva abriu caminho para as empreiteiras nacionais ao baixar decreto que praticamente impedia a contratação, pelo governo, de empresas de engenharia estrangeiras. Mas a festa não começou com os militares. No livro ‘Minha razão de viver’, Samuel Wainer, fundador da ‘Última Hora’, aliado de Getúlio Vargas e João Goulart, afirma que, na década de 1950, o empreiteiro era “uma figura essencial aos interessados em decifrar os segredos do jogo do poder no Brasil”.
Todo mundo tem o direito de ficar escandalizado com as negociatas reveladas pela Lava Jato, mas ninguém pode dizer que a safadeza foi instituída pelos governos petistas. Não é absurdo admitir que a roubalheira tenha aumentado nos últimos anos, mas a lista da Odebrecht mostra que o problema é muito mais grave e, para solucioná-lo, não basta investigar e punir os atuais detentores do poder — a menos que se queira apenas estabelecer uma espécie de monopólio do direito de roubar. Neste universo, até santos recebem propina, como revelou planilha da empreiteira relacionada a obra do governo paulista.
O fundamental é quebrar a lógica que, há décadas, tolera a promiscuidade entre negócios públicos e privados, esquema que ganhou impulso extra com o financiamento das caríssimas campanhas eleitorais. Não dá pra achar razoável que apenas um grupo privado tenha, em 2014, doado R$ 325 milhões para diferentes candidatos e partidos. O sistema funcionava de maneira tão escancarada que as mesmas empresas doavam para candidatos adversários entre si — o importante era garantir a boa vontade de quem viesse a ser eleito.
O caráter generalizado da corrupção não deve servir para amenizar responsabilidades. Os que participaram dos esquemas, corruptores ou corrompidos, precisam ser punidos. A polícia, o Ministério Público e a Justiça têm que, dentro da lei e sem discriminar ou favorecer qualquer grupo, fazer seu trabalho. Uma tarefa que, se bem conduzida, permitirá que nós, cidadãos, possamos separar política de atividades criminosas, e voltemos a discutir propostas de governo que atendam melhor aos interesses da sociedade.
(Estação Carioca, O DIA, 28/3)