CUBA, onde o socialismo é mais moreno
“Para onde é que vocês vão?” Não tivesse sido feita em espanhol, a pergunta do motorista seria exatamente igual àquela que os brasileiros se acostumaram a ouvir todas as vezes em que o táxi – por motivos geográficos, horários ou atmosféricos – se torna, subitamente, o mais indispensável dos veículos. Dita em espanhol, por um motorista cubano (confortavelmente refestelado ao volante de um Chevrolet 54), a frase suscita uma série de indagações em torno do socialismo, da latinidade, do funcionalismo público, da burocracia – da preguiça, enfim.
Apesar dos exageros – normais, quado se trata de construir um estereótipo -, a frase “Cuba é a Bahia que deu certo” tem lá suas verdades. E claro que ninguém imaginaria o Dr. Antônio Carlos Magalhães de barba e de uniforme de campanha, muito menos o Governador João Durval falando durante nove horas para uma platéia acordada. Mas os cabarés invariavelmente lotados – mesmo às segundas-feiras – e as semelhanças étnicas, físicas, culinárias e arquitetônicas (o farol da baía de Havana é parecidíssimo com o da Barra) geram tanto a esperança de uma Bahia sem miséria quanto o terror de imaginar uma Salvador povoada exclusivamente por funcionários públicos, Algo como, numa noite de sexta, alguém pegar um dos orelhões da Telepopular (a companhia telefônica da Bahia socialista) e, após discar o número desejado, ouvir a resposta: “A companheira Mãe Menininha não está na sala, mas deve ter apenas saído para um cafezinho, pois seu casaco está na cadeira.”
Curiosamente, tudo funciona razoavelmente bem nesta Bahia caribenha. Por sorte, o táxi estava indo na mesma direção que nós e assim, além de termos recebido a autorização de embarcar, demos, ainda que involuntariamente, uma carona à morena que, momentos antes de nossa inoportuna abordagem ao motorista, com ele conversava sobre um tema certamente mais interessante do que as desventuras do trânsito de Havana. Para não perder nem os passageiros nem a morena, o motorista mandou que sentássemos no banco traseiro enquanto oferecia à moça o lugar a seu lado. No final, todos ficaram felizes – nós conseguimos ir para onde desejávamos; o motorista não precisou desviar-se de seu caminho; e a morena acabou sendo protagonista de uma cena inusitada (pelo menos para os brasileiros): a socialização forçada – uma expropriação temporária? – do lado direito do banco dianteiro de um táxi.
O serviço de táxis de Havana é um bom exemplo da frase que recomenda um pouco de paciência aos que desejarem conhecer o país de Fidel Castro. A começar pela viagem. Os descaminhos diplomáticos fizeram com que um vôo para Havana – que poderia ser feito com uma simples meia-trava dos aviões que vão para Miami – se transformasse num pesadelo que pode durar até 48 horas, dependendo da conexão. Aos interessados recomendase ir para o Panamá e de lá pegar o vôo para Havana – o cansaço não será evitado, mas, pelo menos, há a possibilidade de fazer boas compras no freeshop, um muambódromo que funciona no Aeroporto Ornar Torrijos no Panamá. É bem melhor do que enfrentar os banheiros malcheirosos e a precária cantina (fica fechada durante a madrugada) do aeroporto de Lima. Em relação aos aviões da Cubana que fazem a ligação com a capital da ilha, as restrições vão para a cerveja Polar – que ainda por cima é servida quente, on the rocks – e para a TropiCola, uma (má) versão da Coca-Cola, recomendável apenas quando diluída em rum – formando o velho e fiel Cuba-Libre.
Voltando às frases feitas, a sorte de Cuba é que aquele velho ditado, “a primeira impressão é a que fica”, não é muito lembrado pelos brasileiros que desembarcam no Aeroporto José Marti, em Havana. Nele, eficiência não é sinônimo de rapidez, muito pelo contrário: há uma excessiva burocracia e um esquema de segurança que apesar de ser em parte justificável pelas ameaças sofridas pelo país exagera quando vê em rolos de filmes fotográficos algum tipo de arma que, como os demais objetos, deve passar pela máquina de raios X (que, embora assuste, não chega a danificar as películas). Também para os que forem, outra dica: torçam – peçam, implorem, chorem – para que o visto de entrada em Cuba seja carimbado num papel à parte e não no passaporte. Afinal, aos olhos do Itamarati e da Polícia Federal, deve ser burocraticamentmais simples ir à Lua do que até Cuba.
Ao sair, do aeroporto a primeira idéia é a de que as 48 horas de viagem foram em vão: parece que o avião ficou dando umas voltinhas e aterrissou em alguma capital do Nordeste. A diferença é que, em Cuba, Roberto Carlos canta ‘O Caminhoneiro’ em espanhol.
Para os interessados em ir a Cuba atrás de um sabor de aventura, o melhor mesmo é ficar em casa fumando aquele cigarro. O turismo em Cuba se assemelha ao de qualquer outra cidade civilizada do mundo. Em hotéis como o Capri – quatro estrelas, construído pela Máfia na década de 50 – é possível, na época do Natal, encontrar, pelos saguões, elevadores e restaurantes, frases desejando um happy new year. Até as tradicionais árvores de Natal podem ser vistas aqui e ali. E claro, porém, que o bloqueio comercial imposto pelos Estados Unidos deixou algumas conseqüências: os colchões de molas, por exemplo, são os mesmos que desde os tempos pré-revolucionários faziam a alegria dos ortopedistas cubanos.
A postura norte-americana em relação a Cuba e a ausência de especulação imobiliária no país socialista geraram em Havana o milagre da preservação. Assim, nem só os prédios escaparam, mas também os velhos carrões dos anos 50 que, sabe lá Henry Ford como, continuam a disputar com os modernos compactos soviéticos, poloneses e argentinos o direito de rodar pela capital cubana. A falta de peças de reposição fez dos mecânicos locais especialistas na arte da improvisação e do jeitinho, capazes de rivalizar com quaisquer daqueles brasileiros que se auto-intitulam “os reis do gatilho”.
Os mecânicos, que tão bem engatilham os carrões, não conseguiram, porém, a mesma eficiência em relação aos aparelhos de ar condicionado. O problema é o mesmo: falta de peças de reposição, principalmente termostatos, que servem para controlar a temperatura. O resultado é que os cinemas, teatros e restaurantes acabam se constituindo em locais privilegiados para a observação da tão propalada influência soviética: em todos estes ambientes, o clima é siberiano.
Ao se andar pelas ruas de Havana é possível constatar a veracidade de, pelo menos, parte da expressão “que deu certo” na frase que compara Cuba à Bahia: há alguns poucos camelôs e mesmo vendedores de frutas e verduras, mas não se encontram mendigos nem crianças dispostos a abordar os turistas em busca de comida ou dinheiro. Curiosamente, o que as crianças cubanas pedem é aquilo que os menores abandonados brasileiros mais costumam vender nos sinais de trânsito das cidades: gomas de mascar, um dos produtos tidos como supérfluos.
As restrições ao consumo de supérfluos, aliadas ao razoável poder aquisitivo da população, fazem com que a atenção de parcela dos cubanos se volte para as tiendas Intur – freeshops localizadas no aeroporto e nos hotéis onde produtos importados são vendidos apenas aos estrangeiros. Cubano não pode entrar nas tiendas, mas, com um pouco de esforço, é possível encontrar um estrangeiro disposto air a estes pequenos paraísos de consumo comprar, para o morador de Havana, um aparelho de som japonês, um conhaque francês, uma calça jeans americana ou mesmo uma torradeira brasileira. Como nas tiendas só se compra em dólar, a moeda americana (cotada, no câmbio oficial, um pouco abaixo do peso cubano ) ganha, nas ruas de Havana, uma valorização bem superior. O interesse em obter o dólar é tão grande que desafia a proibição oficial e mesmo a paciência de um turista que, porventura, esteja imbuído de um maior fervor revolucionário. Muitas vezes, esconder a máquina fotográfica é suficiente para camuflar a condição de estrangeiro, evitando, assim, as abordagens do tipo “tiene dollar? Cambio cinco pesos por uno”.
Mas a posse dos valiosos dólares não é o único motivo que faz o cubano se interessar pelo estrangeiro. Os brasileiros. por exemplo, são recebidos com muitos sorrisos e perguntas. Algumas delas difíceis de serem respondidas, como: “O que quer dizer ‘na tonga da mironga do kabuletê’?”; “Mas o Sarney não era do antigo governo?”; “É verdade que o Partido Comunista Brasileiro quer maior liberdade de ação para os bancos estrangeiros?”; “Mas este Getúlio (Vargas) era de direita ou de esquerda?”; “Como é que o povo de São Paulo foi eleger o Jânio?” O nível de informação dos cubanos sobre o Brasil chega a ser constrangedor.
Em matéria de música. a cotação de Nélson Ned é menor do que há alguns anos, garantem os cubanos e brasileiros que já estiveram outras vezes em Havana. Em compensação, a de Roberto Carlos continua alta e pode ser detectada não só pela quantidade de músicas tocadas nas rádios como pela grande procura de um suspeitíssimo LP nas lojas de Cuba: capa inteiramente branca, apenas com o nome Roberto Carlos impresso em azul. o disco não traz qualquer referência à CBS, responsável pelo lançamento das gravações do cantor em todo o mundo. Ao lado do LP de Roberto Carlos, outro lançamento internacional: ‘La Mujer de Rojo’, de Stevie Wonder. A diferença para o disco do brasileiro está na cor com que, na capa, está impresso o nome do cantor – o “Stevie Wonder”, em letras vermelhas, substitui, em Cuba, as pernas da manequim Kelly Le Brock, que, nos demais países, decoram a capa da trilha sonora do filme ‘A Dama de Vermelho’.
Já a capa do mais recente best-seller da indústria editorial cubana é igual àquela com que o livro foi lançado no Brasil. A diferença é que, por motivo de economia, a edição cubana de Fidel e a Religião, do brasileiro Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, não tem a capa plastificada. Vendido a 1,5 peso (menos de 20 mil), o livro,
lançado no final de novembro passado, provocou, no mês seguinte, extensas colas (filas) diante das principais livrarias de Havana. Afinal, a publicação reúne dois barbudos muito queridos pelos cubanos: Fidel Castro e Jesus Cristo, ainda que, na maior parte das vezes, o amor pelo último seja olhado com uma certa desconfiança pelos, digamos, pais da moça (apesar de alguns progressos nas relações Igreja e Estado, o ingresso no Partido Comunista Cubano – ou seja, na estrutura do poder – continua vedado não somente aos cristãos como a todos os que têm alguma religião). Para os católicos cubanos, porém, a decisão de Fidel em falar sobre a religião representa um gesto como o do pai que concorda em receber para jantar aquele moço que apesar de suas restrições, é visto com muito carinho pela filha.
O interesse da população cubana por um livro de tema tão complexo (imaginem a vendagem. no Brasil, de uma publicação do tipo ‘Sarney e os Trotskistas’) não arranha. porém, a veracidade de outra frase. esta. atribuída a Sérgio Cabral : “Cuba é Madureira no poder.” Frase por frase. Euclides da Cunha. caso fosse hoje a Havana, certamente diria: “O cubano é, antes de tudo, um brega.”
A breguice do cubano é interessante porque vem desvinculada de dois elementos que no Brasil são seus inseparáveis acompanhantes: a pobreza e a desinformação. Em Cuba, até a breguice deve ser revolucionária, pois, se não, como explicar que a televisão estatal exiba programas tão semelhantes àqueles da finada TV Tupi? Num deles, um casal de apresentadores, no melhor estilo Aírton e Lolita Rodrigues, entrevista uma moça da platéia. Ao contrário do que certamente ocorria em qualquer programa do gênero exibido em outros países da América Latina, a moça não pede nada (nem um vestido de noiva, nem uma passagem para ver os pais em Aracaju, nem uma bicicleta para o irmãozinho), nem mesmo diz ao casal de apresentadores ser sua fã desde criancinha. Numa rápida intervenção, exalta a produtividade alcançada por um grupo de lavradores em algum lugar do país e, ainda por cima, faz uma convocação para o III Congresso do PCC. No intervalo. um filme de caráter comunitário ensina boas maneiras à mesa.
A breguice também se manifesta em costumes que fariam corar revolucionários mais ortodoxos. como o que manda as moças. no dia em que completam quinze anos, trocar quinze vezes de vestido. Num país capitalista, esta tradição seria cada vez mais incentivada pelos fabricantes de roupas e de tecidos. Em Cuba. serve apenas para gerar dores de cabeça adicionais aos encarregados da fabricação e e distribuição de produtos de vestuário.
Em contraponto à breguice da maioria da população, em Havana – capital não só político-econômica. mas também cultural do país – floresce uma intelectualidade em muito semelhante à que desfila seu talento pelas mesas dos baixos Leblon e Botafogo.
no Rio, ou pelos bares e restaurantes do Bexiga, em São Paulo. Na Havana pré-revolucionária, a Bodeguita del Medio e a Floridita – os preferidos de Ernest Hemingway – serviam de ponto de encontro e de referencial para nomes internacionais que incluíam a nossa Carmem Miranda.Ainda hoje. os restaurantes mantêm sua fama e a tradição popularizada por Hemingway, que até se deu ao trabalho de eleger o que, em matéria de drinks, havia de melhor em cada um dos dois: o mojito (espécie de caipirinha com rum e galhos de hortelã) da Bodeguita e o daiquiri da Floridita.
Mas o intelectual cubano também tem lá suas manias: assim, a Bodeguita e a Floridita são hoje reduto principalmente de turistas ansiosos em cumprir o ritual de Hemingway. Enquanto isso, um dos mais importantes organismos culturais do país, o Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográfica, inaugurava o Bar Esperanza, “el último que cierra “, em homenagem ao filme de Hugo Carvana.
Os cabarés, porém, continuam a ser a grande atração da vida noturna de Havana. A campanha de moralização desencadeada pela Revolução – que teve, entre suas principais vítimas, o jogo e a prostituição – fez com que o nível de ousadia dos espetáculos ali apresentados ficasse aquém de qualquer show beneficente exibido, nos finais de ano, em abrigo de velhinhos. No mais famoso de todos, o Tropicana – “un paraíso bajo de las estrejas”-, a quantidade de tecido utilizada em cada maiô de vedete seria suficiente para vestir pelo menos umas dez passistas das que se apresentam em shows do tipo Brasil Tropical.
Outros importantes cabarés de Havana são o Le Parisién, no Hotel Nacional, e o Rojo, no Hotel Capri. Em seus palcos revezam-se grupos e cantores que parecem saídos da mesma máquina do tempo que gerou os carrões americanos e os maiôs do Tropicana. Neles, a salsa impera de uma forma quase que ditatorial e só vez por outra é que aparece um grupo com um som mais moderno, como o Iraquerê, que mistura os ritmos caribenhos com toda uma influência jazzística. Nesses cabarés, é adotado o critério de cobrar em peso as bebidas cubanas ou as importadas de países socialistas, e em dólar as de outras origens. A baianitude, porém, impede que este critério seja ortodoxamente seguido: vez por outra, o garçom fica irredutível e só aceitá que se pague em dólar a vodca soviética. O curioso é que, enquanto no Le Parisién a dose de vodca custa 3 dólares, nas tiendas, uma garrafa de meio litro da Stolichnaya, também soviética, sai por apenas 1,2 dólar.
Os cinemas constituem outra grande fonte de lazer para os cubanos. Em dezembro passado, durante o 7.° Festival do Novo Cinema Latino-Americano, em Havana, as salas da Calle 23 (uma das principais avenidas da cidade) ficavam lotadas, mesmo nas sessões vespertinas, por um público ávido de conhecer filmes brasileiros, argentinos, peruanos, venezuelanos, mexicanos e até norte-americanos. O interesse é tão grande que mesmo as sessões de curtas-metragens – que incluíam desde interessantes desenhos animados cubanos até batidos filmes educativos do tipo “como escovar os dentes” – eram bem freqüentadas.
A compra de filmes estrangeiros é centralizada pelo ICAIC que, dentre as dezenas de longas-metragens que anualmente adquire no exterior, evita 90 os que explorem temas como sexo e violência. “Nossos recursos são limitados, temos de escolher bem” , afirma o diretor do ICAIC, Pastor Vega. Privado dos filmes pornô, o público do gênero acaba tendo de se contentar com as cenas de sexo exibidas nos longas sérios. Com isto, qualquer cena que insinue uma relação sexual é recebida com os mesmos uivos, gritos e assovios com que são brindados, no Cine Vitória, no Rio, produções como O Vale das Taradas, 24 Horas de Sexo Explícito ou Como Afogar o Ganso.
Este comportamento em relação ao sexo nas telas demonstra um pouco da perplexidade do homem cubano, que, em menos de trinta anos, viu sua mulher sair da cozinha, pegar na metralhadora e, posteriormente, reivindicar ajuda nas tarefas domésticas e cargos de direção na máquina oficial. A reação machista foi tão grande que seu moralismo chegou a contaminar setores da Revolução: há até cinco anos, uma mulher que saísse às ruas de short ou minissaia poderia ser multada.
Acuado até pelos líderes guerrilheiros da Sierra Maestra – Raul Castro, irmão de Fidel e segundo homem do país, casou-se com a presidente da Federação de Mulheres Cubanas, Vilma Espín -, o homem cubano tenta manter a pose: nas ruas, procura reforçar sua combalida superioridade dando grosseiras, porém inocentes, cantadas nas mulheres que passam; ao responder a pesquisas, diz que trepa desde niño, mas que, quando for casar, vai procurar uma moça virgem.
O trauma gerado pela exploração sexual das mulheres cubanas no período pré-revolucionário é tão grande que, mesmo nos dias de hoje, a transa com um estrangeiro é vista com muitas reservas. Nos hotéis que abrigam turistas, o relacionamento sexual entre uma cubana e um estrangeiro é proibido e pode gerar cenas como a ocorrida em dezembro passado, também durante o Festival de Cinema. Um brasileiro que levara uma jovem cubana a seu apartamento, no Hotel Nacional, teve que interromper sua discussão sobre a socialização dos espermatozóides devido à insistência da segurança, que, batendo à porta, teimava em entrar em seu aposento. Assustado, o brasileiro, pelo telefone interno, chamou um colega de delegação que, ao chegar ao corredor tentou argumentar com os seguranças, impassíveis diante de argumentos como “o que é isto, compañeros? Eles estão apenas conversando”. Finalmente, os cubanos entraram no apartamento, mas tiveram de aturar, constrangidos, um discurso da compatriota, que – provando que a exibição, em Cuba, de Malu Mulher não fora em vão – passou um longo pito nos seguranças: “Quem manda no meu corpo sou eu”, dizia.
Os homossexuais são, porém, as vítimas institucionalizadas desta reação:
além de sofrerem um preconceito existente na maioria dos países latino-americanos (dificilmente seriam indicados para integrar os quadros do PCC, embora não haja uma proibição expressa), ainda têm de ter cuidado para não se excederem em público. Um namoro gay pode começar no malecón (beira-mar, local preferido para os beijos e abraços dos casais cubanos) e terminar na cadeia.
Para os hétero, a situação é mais simples: quando o malecón começa a ficar devassado demais, a solução é disputar uma vaga nas concorridas posadas, onde um quarto pode ser alugado a 3,5 pesos por cinco horas. Outra opção é a de recriar, em praias devidamente autorizadas, as famosas corridas de submarinos que, em décadas passadas, tanto alegraram as madrugadas do litoral carioca.
O nascimento de um novo dia restaura, porém, a moralidade nas praias, onde uma jovem loura cubana adverte – inocentemente, até – uma brasileira cujos pêlos pubianos insistem em ficar de fora do minúscúsculo biquíni, modelo fio dental. “E assim mesmo”, responde a brasileira, para surpresa da cubana, protegida por um imenso duas-peças preto com aplicações em paetês. Um traje que, pela sisudez, combina com as casamatas de concreto erguidas nas belas praias de Santa Maria (a leste de Havana) para abrigar soldados em caso de alguma nova tentativa de invasão por mar.
“Hay que endurecer, pero sin perder la ternura”, diria, numa tentativa lírico-revolucionária, alguém que, citando Che Guevara, tentasse analisar o contexto erótico-bélico-moral das praias cubanas. O autor da citação ficaria, porém, surpreso ao perceber que a frase – tão popular entre os brasileiros – soaria como novidade para os cubanos. E que, nesta ilha de tantas frases, praticamente ninguém conhece aquela cunhada por um de seus mais ilustres e cultuados heróis.