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Entre apitos e balas


RIO DE JANEIRO _ O Congresso Nacional discute uma proposta que elimina a possibilidade de cadeia para o usuário de drogas e aperfeiçoa a repressão ao tráfico.

Ontem, aqui neste mesmo espaço, foram citados dois grupos de jovens que, em comum, têm apenas o universo das drogas: uns fumam maconha na praia de Ipanema; outros fazem tráfico em favelas.
Os primeiros brincam com a polícia que tenta reprimir a prática: usam apitos para avisar o resto do grupo que está na hora de apagar o baseado.

Os outros não têm lá muito tempo para brincadeiras. Entre eles, as drogas são, em primeiro lugar, produtos que devem ser comercializados. Na falta de outras opções, é um trabalho. Só que, por aqui, a polícia não é recebida com apitos, mas com balas.

Os primeiros vivem na mesma órbita dos legisladores. Ao deixar de punir o consumo, nossos parlamentares atendem a um certo clamor social e previnem eventuais problemas domésticos.
O projeto é um avanço: permite, ainda que de forma tímida e indireta, abrir caminhos para uma discussão que reconheça diferenças entre dependentes e simples consumidores de drogas.

A sociedade, afinal, há muito diferencia alcoólatras dos que apenas bebem com alguma frequência. Isso em país em que o tolerado e até incentivado consumo de cachaça supera o de cocaína em quantidade e em geração de problemas.

O projeto carrega uma contradição: na prática, o consumo de drogas será liberado, mas a repressão ao abastecimento desse mercado deverá ser aperfeiçoada.

Mas o objetivo da repressão ao tráfico não é dificultar o consumo? Se não há maiores problemas no consumo não seria mais lógico partir para a descriminação total?

Se aprovada, a lei vai ser boa para o primeiro grupo e péssima para os integrantes do segundo: estes deverão ter maiores dificuldades para abastecer seus clientes, inclusive os da galera do apito.

Pior: se a polícia chegar na hora da transação, os primeiros ficarão sem as drogas; os outros irão para a cadeia.

Não dá para negar que, apesar de suas boas intenções, a lei honra uma tradição brasileira: alivia os mais ricos e dificulta a vida dos mais pobres.

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