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Marisa atravessa filme sobre Velha Guarda


O mistério do samba”, belo documentário sobre a Velha Guarda da Portela carrega dentro de si um outro mistério: não se trata de um filme, mas de dois. O primeiro, de Carolina Jabor e Lula Buarque de Hollanda, é uma sensível e delicada colagem de sambas, depoimentos e imagens de figuras históricas e talentosas de nossa cultura. É muito bonito e emocionante ver/ouvir as músicas e as histórias de todas aquelas pessoas.

O segundo filme não chega a ser ruim, mas é um pouco mais complicado. São cenas que volta e meia se intrometem na narrativa principal, quase que ruídos protagonizados pela Marisa Monte. É como um Globo Repórter meio canhestro protagonizado por uma repórter meio insegura (e que canta muito bem).

A gente está ali, ouvindo sambas, conhecendo histórias lindas e engraçadas e, puft!, aparece a Marisa Monte para conduzir trechos da narrativa. Logo no início há uma cena meio boba, a Marisa caminhando com o Paulinho por ruas de Oswaldo Cruz, ambos conversando sobre a Velha Guarda, ambos fingindo que se trata de uma conversa informal, que não estão sendo filmados.

Enfim, uma armação desnecessária, seria mais simples fechar a câmera no Paulinho e deixá-lo falar. Num determinado momento, chega a ser engraçado: eles passam diante de um bar onde algumas pessoas estão reunidas: todo mundo olha pro outro lado, ninguém vira o rosto na direção de Marisa e Paulinho (dá pra imaginar o assistente de direção gritando “Ninguém olha pra câmera, tá?”). Nem no Leblon haveria gente tão blasé.

Aí o filme deixa a Marisa de lado e se concentra nos personagens da Velha Guarda. Mas eis que, um punhado de minutos depois, ressurge MM cantando com velhas tias/pastoras. Daqui a pouco, MM, cercada de tias, incorpora a Martha Suplicy dos anos 80 e faz um inacreditável e constrangedor comentário, algo como a “dificuldade de expressão das mulheres no universo do samba” (as aspas não são literais, não me lembro com exatidão do comentário algo acaciano).

Claro que MM tem o grande mérito de ter dado mais visibilidade à Velha Guarda, é admirável e digno de muitos aplausos seu trabalho de garimpar sambas antigos e de produzir o espetacular CD “Tudo azul”. de 2000 (o filme recupera algumas imagens da época, uma delas mostra um momento antológico, quando Monarco, instigado por MM, consegue lembrar trechos de um samba esquecido). Aplausos para Marisa, portanto. Mas, até em homenagem aos bambas que ela tanto preza, nossa grande cantora poderia ter ficado um pouco mais fora de cena em “O mistério do samba”. Eles – Jair do Cavaco, Casquinha, Monarco, Surica, Tia Eunice, Argemiro, Surica, Áurea Maria – são os protagonistas naturais do filme, que flui melhor quando deixa que eles falem, cantem, e dancem.

Ah, o filme é imperdível.

(01/9/2008)

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