Promessas
RIO DE JANEIRO _ Não foi exatamente uma dessas promessas de fim de ano: seu autor não estava pensando em 1996 ao fazê-la. Enfática, ela dispensa a necessidade de um marco, de uma data.
Nada a ver com dieta ou ginástica. A promessa, registrada no jornal “O Globo”, é a seguinte: “Quando eu sair daqui vou matar um PM, o Jesus Gordo, do 22º BPM, e o traficante Cabeça”. O autor da frase tem 13 anos e é acusado de participação no tiroteio que matou e feriu torcedores que vieram assistir ao jogo entre Botafogo e Santos.
No jornal, ele foi identificado apenas como M. A reportagem informava que o garoto é analfabeto e que disse ter matado _com uma escopeta calibre 12_ pelo menos duas pessoas.
Ao contrário do que costuma acontecer com promessas de ano novo, a de M. corre o risco de ser cumprida. Ele está detido, mas, de volta às ruas, vai fazer o que sabe: vender drogas e, eventualmente, matar uma ou outra pessoa que tente impedir seu trabalho. Numa dessas, pode sobrar para o Jesus Gordo e para o Cabeça.
M. não é um extraterrestre. Faz parte de uma sociedade em que garotos de 13 anos podem ter acesso mais fácil a uma escopeta do que a um lápis.
A situação de M. é uma espécie de atestado de óbito social. Dessa constatação poderiam surgir outras promessas, todas com o objetivo de acabar com a permanência das condições que geraram M. e outros tantos meninos do Brasil.
Há poucos anos decidimos que um presidente acusado de corrupção não poderia continuar no cargo. A pressão social fez com que ele caísse.
Até hoje, porém, não houve o mesmo consenso em torno da necessidade de se acabar com a miséria e com o analfabetismo. Talvez porque isso implique uma eventual perda de renda ou de privilégios. Derrubar Collor não nos custou tanto.
Obs: segundo uma entidade baiana, o Brasil “não aceita mais conviver com a exploração sexual das crianças”. Falta agora acabar com a miséria. Do contrário, vamos proibir a prostituição e manter a tolerância com a fome.