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Uma cidade maior que os Jogos


Nada como um olhar estrangeiro para nos revelar aquilo que, por costume ou conveniência, nos recusamos a ver. Os integrantes da missão do Comitê Olímpico Internacional que analisaram a candidatura do Rio aos Jogos de 2004 cumpriram um pouco o papel daqueles antigos visitantes que, na época da colônia, passaram por aqui e que até hoje nos ajudam a ver o Brasil.

Chega a ser espantoso que alguns manifestem surpresa com algumas observações negativas feitas no relatório do COI sobre a candidatura carioca. Pelo que dizem os jornais, os autores do documento registraram a festa, o nosso desejo de sediar as Olimpíadas. Mas deixaram claro que boas intenções não bastam – e eles têm justificadas dúvidas sobre nossa vontade de, em sete anos, equacionarmos problemas sociais que, ao longo de quase cinco séculos, vêm sendo .despachados para o fim da fila.

Não se pode acusar os patrocinadores da candidatura de tentarem esconder nossas mazelas: inspirados por Betinho, souberam transformar a desvantagem em um gol que se espera de placa: o miserê crônico não representaria um obstáculo aos Jogos; ao contrário, estes se constituiriam em um grande catalisador de soluções para os nossos problemas. De tão bom, o argumento acabou sendo registrado no tal relatório do COI. Já é meio-gol.

Por vias mais ou menos tortas, a argumentação acaba revelando o constrangimento de um país que, em busca dos Jogos, é obrigado a admitir que ainda não se esforçou em oferecer o mínimo de dignidade para a maioria de seus habitantes. O raciocínio de que as Olimpíadas é que acenderão esta chama redentora não deixa de ser uma nova versão para a tese do país do futuro (lembram?); uma conclamação na, linha do “desta vez vai”.

Nisto tudo, porém, há algo a comemorar. De olho nas Olimpíadas, estamos descobrindo o óbvio: que a pobreza, a falta de saneamento básico e de transporte coletivo, a poluição, a criminalidade, o grau de desigualdade social por aqui verificado – enfim, todas estas formas de violência – são incompatíveis com um projeto de uma convivência social mais harmônica e saudável.

Vá lá que esta descoberta foi meio assim por acaso. O objetivo primeiro é o de se conquistar as Olimpíadas. A melhoria das condições de vida da população entra como uma espécie de subproduto, mas isto já é um grande avanço.

Resta esperar que – independentemente da decisão do COI sobre a cidade olímpica – frutifique entre nós uma lição que, de tão velha, não mereceria ser aqui repetida: a de que não é possível se perpetuar uma situação social como a nossa.

O problema não é a eventual inviabilidade de sediarmos uma Olimpíada, mas a impossibilidade de continuarmos a viver em uma cidade e em um país com tantas mazelas. O que está em jogo não é uma Olimpíada, mas a nossa sobrevivência. Uma eventual derrota da candidatura do Rio não deve ser encarada como uma tragédia, mas como um estímulo para que, enfim, passemos a encarar nossos velhos problemas.

Uma cidade que seja boa para a maioria de seus habitantes será excelente para abrigar uma Olimpíada. Um Rio mais justo e humano seria quase que imbatível na disputa por qualquer evento internacional. O que é bom para nós também seria bom para eles.
Mesmo que os Jogos não venham, a luta por uma cidade melhor – inspirada pela candidatura – já seria uma espécie de milagre a ser creditado na conta do tal espírito que, além de Olímpico, neste caso, mereceria também o direito de ser chamado de Santo.

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