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27/6/1971


Por Fernando Molica em 07 de dezembro de 2011 | Comentários (1)

Coluna Estação Carioca, jornal O DIA, 9/12

O lançamento de um livro sobre o Campeonato Carioca de 1971 reabriu uma ferida que jamais cicatrizou. Aquele 27 de junho foi o dia em que eu, aos 10 anos de idade, perdi a inocência. Diante da passividade do árbitro do jogo — um sujeito cujo nome até hoje não pronuncio — percebi o que era a injustiça. Ao contrário do que era pregado nos quadrinhos e nos desenhos animados, nem sempre o bem vencia o mal.

O Botafogo era conhecido como ‘Selefogo’, reunia craques que, no ano anterior, haviam sido fundamentais na conquista da Copa do Mundo: Jairzinho, Paulo César, Brito e Carlos Alberto Torres. Havia disparado no campeonato, houve até quem propusesse o fim antecipado da competição, tamanha a vantagem alvinegra. Mas o time caiu de produção, perdeu um jogo e empatou dois. Mesmo assim, seria campeão se ao menos empatasse com o Fluminense.

O jogo seguia no 0 a 0 até os 43 minutos do segundo tempo, quando — como dói lembrar — uma bola foi lançada na área do Botafogo, o goleiro Ubirajara Motta pulou para fazer a defesa e recebeu um empurrão escandaloso do Marco Antônio. Livre, Lula não teve trabalho para pegar a sobra e fazer o gol, um gol confirmado pelo inominável juiz. Vale lembrar que o Fluminense era, na época, conhecido como o time que melhor atuava no Tapetão — referência aos gabinetes dos que dirigiam e julgavam o futebol.

Revi o gol diversas vezes; criança, contava com a possibilidade de ouvir um apito retardatário e salvador, som que restabeleceria a justiça sobre a Terra. Nada. As imagens se repetiam, mostravam o empurrão, a queda do Ubirajara, o chute, o gol. E nada do tal apito. É possível que a ausência do gesto que anularia o gol tenha me preparado para encarar os episódios que se sucedem na vida brasileira. Sobras de campanha, desvio de merenda escolar, aprovação da reeleição, compra de votos, superfaturamento em obras públicas, nepotismo, consultorias suspeitas, absolvição de culpados. Não me conformo com nada disso, mas admito que tudo faz parte da mesma lógica que nos tirou o título — as evidências têm valor apenas relativo, o mundo não é justo.

De lá pra cá, o Botafogo já foi prejudicado e beneficiado pela arbitragem, mas nada foi tão marcante quanto aquele escândalo da final do campeonato de 71. A ausência do apito revelou que eu não deveria me espantar com nada, o ser humano era capaz de tudo, não havia lugar para a inocência.

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Comentários
07 de dezembro de 2011

Texto marcado pela sensibilidade e paixão alvinegra.

Tatiana Ribeiro