A cueca e o Arquimedes da Lapa
Por Fernando Molica em 20 de outubro de 2015 | Comentários (0)
“Achei, achei!” O grito ecoou pela redação do jornal no fim de tarde de um modorrento plantão dominical. Um daqueles em que nenhuma novidade acontece — há apenas o tiroteio de sempre, alguma bravata ministerial, a vitória de um time graças ao gol feito com a mão. Daí o susto do chefe de reportagem, de dois outros repórteres, do fotógrafo e do estagiário.
Indiferente ao espanto dos colegas, nosso companheiro, um homem com mais de 40 anos de jornalismo, continuava absorto com seu achado. Estava a ponto de imitar o grego Arquimedes e sair pelas ruas, pelado, a gritar “Eureca!” Aos poucos, nos aproximamos dele que, como um personagem de Nelson Rodrigues, exibia olhos rútilos e lábios trêmulos. Afinal, o que ele teria descoberto? Um jeito de fazer a Seleção voltar a jogar bola? A fórmula que garantiria honestidade e eficiência aos nossos governantes? Nossas perguntas se atropelavam.
“Não”, respondeu, eufórico. “Algo muito mais importante, encontrei, enfim, uma explicação para o batom na cueca!” Entreolhamo-nos. “Como assim?”, perguntou o estagiário, convencido que seria impossível dar um jeito de justificar a prova absoluta, cabal, indelével e definitiva de uma traição. Olhava para o veterano como se Napoleão, ressuscitado, estivesse diante dele, disposto a conceder-lhe a entrevista definitiva,aquela em que explicaria a derrota em Waterloo.
Nosso Arquimedes da Lapa pigarreou e vaticinou. “Elementar, meu jovem. Ao chegar em casa, antes mesmo do protocolar beijo de boa noite na esposa, o homem que carrega sob as calças a marca do pecado deve chamar a companheira e dizer: ‘Amor, aconteceu algo terrível. Eu vinha apressado pela Presidente Vargas quando senti que o cinto de minha calça, esta aqui, larga, arrebentara. Imediatamente, a calça começou a cair, a deslizar pelas minhas pernas. Atônito, envergonhado pelo vexame que passava, vacilei algumas frações de segundo antes de tomar alguma atitude. Nisso, oh, que lástima!, não percebi que, na direção contrária, vinha uma anã com a boca pintada de vermelho déficit fiscal. Distraída ao celular, ela não via por onde andava e o choque, inevitável, carimbou seus lábios em minha cueca.'”
Diante do silêncio que traduzia a incredulidade dos colegas, logo quebrado por uma gargalhada coletiva, nosso amigo proferiu a frase que encerraria a pendenga: “Tá bom, vocês acham que ninguém acreditaria na minha desculpa para o batom na cueca. Mas quero ver rir assim na frente daquele sujeito que jura não ter conta na Suíça.”
(Estação Carioca, O DIA, 12/10)