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A dor que sai nos jornais


Por Fernando Molica em 06 de abril de 2008 | Comentários (1)

O amigo Guilherme Fiuza, autor do livro “Meu nome não é Johnny” – que deu origem ao filme -, decidiu expor publicamente um drama pessoal em nome de um interesse maior. Em seu blog, publicado no site da revista “Época”, Fiuza, que é jornalista, critica a cobertura do caso da menina Isabella Nardoni a partir da narrativa de uma terrível experiência pessoal: a morte, em 1990, de seu primeiro filho, que caiu do oitavo andar do prédio onde a família morava.
No artigo, Fiuza conta que além de conviver com a tragédia, ele e sua então mulher tiveram que suportar o peso de uma acusação: num primeiro momento, caiu sobre eles a suspeita de assassinato do filho. O casal teve que contratar um advogado antes mesmo de enterrar o menino.

Embora vivêssemos em harmonia e fôssemos particularmente tranqüilos, o advogado vinha relatar depoimentos comprometedores do síndico e de vizinhos à polícia. Eles diziam ter ouvido ruídos altos de portas batendo, discussões febris, gritaria.
Foi longo o tempo até encerrar esse processo insano e provar que os vizinhos tinham delirado. Mas foi muito rápido, instantâneo, o castigo imposto pelos homens da lei, de mãos dadas com os vizinhos diligentes: ser tratado como suspeito da morte do próprio filho.

No artigo, de leitura obrigatória, Fiuza conta que ele e a mulher saíram do prédio deitados no chão do carro para escapar do assédio de jornalistas – e conclui que a coletividade deve entender que a vida dos outros “não é um Big Brother”.
No último dia 2, Clóvis Rossi publicou, na “Folha de S.Paulo”, um artigo que deveria ser lido em forma de oração por todos os jornalistas, e por todos os policiais – e, mesmo, por todos que, diante de um crime, se apressam em apontar o dedo na direção de um suposto culpado.
Nele, Rossi lembra o caso da Escola Base para ressaltar o absurdo comportamento da polícia na apuração da morte de Isabella: nas duas situações, os delegados divulgaram suspeitas não confirmadas para a imprensa, que, com diferentes níveis de ênfase, tratou de amplificá-las. Os donos da escola foram absolvidos das acusações de abuso sexual contra crianças, mas carregam até hoje as marcas do massacre que sofreram.
Tragédias como as mortes de Pedro – o filho de Fiuza – e de Isabella deveriam servir para que todos, em particular, policiais e de jornalistas refletissem sobre seu trabalho. Não proponho a criação de um equivalente ao Conar – Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária. Há profundas diferenças entre a informação publicitária e a jornalística – seria difícil transpor para um código todas as nuances envolvidas numa cobertura, há sempre o risco de as boas intenções servirem de biombo para uma simples censura.
Em reportagem publicada no site Comunique-se, Benny Cohen, da TV Alterosa, de Minas, diz que há três anos os noticiários da emissora não divulgam nomes ou imagens de suspeitos de crimes. Há mais de uma década que a “Folha” não publica nomes de seqüestrados sem autorização de sua família. Todos que trabalhamos no jornalismo sabemos como é difícil tomar uma atitude como esta: sou jornalista há 27 anos, apenas um acaso me livrou de, em 1990, estar entre os repórteres que cercavam o carro onde estavam Fiuza e sua mulher, de correr atrás deles. Na época, era chefe de reportagem de “O Globo” ou da sucursal da “Folha” – devo, portanto, ter determinado ou autorizado a ida de uma equipe para o local. Era minha obrigação fazer isso: como não cobrir/publicar aquilo que toda a concorrência vai divulgar? Fui, de alguma forma, cúmplice daquele cerco.
A popularização da internet tornou ainda mais difícil o controle do que divulgar – o público já não depende apenas de jornalistas para apurar e disseminar informações. Mas isso não desobriga jornalistas e veículos de uma reflexão sobre o que fazer. Não publicar nomes de suspeitos pode ser um bom começo, ainda que isso tenha outras implicações: pouparíamos das páginas e dos telejornais políticos acusados de falcatruas? Até que ponto isso não seria apenas um presente que daríamos a notórios corruptos?
Acho difícil estabelecer uma regra geral, válida para todos os casos – até sob pena de inviabilizarmos a necessária busca de informação por parte da sociedade e, no limite, inviabilizarmos o jornalismo. Creio que não deveríamos pensar em leis, em códigos, em obrigações – mas em posturas, em decisões pessoais e editoriais. Talvez um bom começo seria aproveitar algo mencionado por Fiuza em seu artigo, por mais doloroso que isso seja: que tal nos imaginarmos – Deus nos livre! – no centro de uma tragédia? Seria um bom exercício para pensarmos no como deveria ser feita a cobertura do caso, nos limites que deveriam ser obedecidos.

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Comentários
11 de abril de 2008

É, Fernando, vivemos num país onde esse tipo de tragédia é um prato cheio para muitos programas e jornais de segunda categoria. A impressão que muitas vezes me passam é de vibração, quase orgásmica, quando acontecem fatos desse tipo. Devem pensar: 'oba, teremos matéria para muitos dias...' É triste!

Leandro Cesar