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A dúvida de Juvenal


Por Fernando Molica em 24 de novembro de 2010 | Comentários (0)

Estação Carioca de hoje, jornal “O Dia”

Está na edição de domingo de O DIA. Ao se preparar para o encontro com o presidente Lula, Juvenal, de 13 anos — irmão de Luiz Inácio Matias da Silva, o Lulinha –, não conseguia acreditar que ele e sua família entrariam no Copacabana Palace pela porta da frente. O rapaz até considerou razoável conhecer o presidente, alguém, como ele, nascido na pobreza. Mas tinha dificuldades de admitir que entraria pela porta da frente de um hotel cuja história se confunde com a da elite brasileira.

A dúvida de Juvenal não é absurda. Nordestino, morador de favela, filho de biscateiro, ele deve saber muito bem o que é ser barrado. Apenas em 2003 foi sancionada, no Rio, uma lei que definia o óbvio: o transporte de pessoas deveria ser feito pelo elevador social. O de serviço só poderia ser utilizado em caso de necessidade de transporte de carga. Ou seja: há até bem pouco tempo, Juvenal e seus pais poderiam ser encaminhados para o elevador de serviço mesmo que estivessem indo visitar, digamos, o presidente da República. Em Recife, lei semelhante existe desde 2001, mas é ignorada. Em maio, o Ministério Público Federal lançou campanha para cobrar o seu cumprimento.

As elites brasileiras não se limitaram a vigiar e a controlar o acesso a suas propriedades. Aplicaram a mesma lógica nos serviços públicos, inclusive na educação e na saúde. A desigualdade nas oportunidades educacionais nunca foi combatida com o vigor hoje aplicado na tentativa de se derrubar cotas sociais e raciais que democratizam o acesso a boas universidades. A legislação faz com que até os pobres paguem pelo tratamento de saúde dos mais ricos — quem tem dinheiro para gastar com médicos e hospitais particulares pode abater estas despesas no imposto de renda, não precisa nem entrar na Justiça. Ou seja, a conta pelo tratamento é paga pela sociedade, inclusive pelos mais pobres. Parte das mensalidades de escolas privadas também pode ser jogada na conta de toda a população.

A eleição de um ex-operário para a Presidência ajudou a quebrar preconceitos, mas as manifestações contra nordestinos ocorridas depois do segundo turno das eleições mostram que parte da sociedade brasileira ainda não aceita abrir seus portões. É gente que acha normal o Estado dar dinheiro e incentivo apenas para os mais ricos. Recentes progressos na geração e distribuição de renda merecem ser comemorados, mas o caminho é longo. Orgulho mesmo só quando garotos como Juvenal tiverem certeza de que não serão barrados na porta da frente de escolas, hospitais, palácios e hotéis de luxo.

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