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A falta de acento e o bico do príncipe


Por Fernando Molica em 15 de março de 2012 | Comentários (0)

Coluna Estação Carioca, jornal O DIA, 13 de março:

O príncipe Harry engarrafou o trânsito e, à sua revelia, ajudou a ressaltar um problema na língua portuguesa. Para noticiar a confusão gerada por sua ida do Tom Jobim à Zona Sul, um jornal registrou na Internet: “Harry para o trânsito”. A manchete era curta, informativa, correta. O problema é que nem todo mundo dá bola para a papagaiada daquela espécie de escola de samba britânica que apresenta sempre um enredo manjado, baseado em historinhas de príncipes e princesas. Muita gente se lixa para a Unidos da Rainha, não quer saber do desfile deste ou daquele coroado. Ao ler a tal manchete, uma dessas pessoas pode ter achado que um sujeito chamado Harry estaria cotado para assumir a presidência da CET-Rio: “Harry para o trânsito”.
A culpa é do acordo ortográfico que, sob a desculpa de uma unificação, criou uma versão do idioma português que comete o disparate de desassociar grafia e pronúncia, como na eliminação do acento agudo de “pára”. Há casos mais graves, como ressaltou outro dia um internauta. Quando lemos “Justiça para o Brasil”, não sabemos se se trata de uma campanha ou de uma constatação. O trema era a tradução da necessidade de fazermos bico para falar “consequência”. Foi-se o trema, ficaram o bico e a importância de ter alguém que explique a futuros falantes a obrigação de se emitir um som não explicitado na palavra escrita. Também foi jogado para o espaço o acento que indicava o som aberto em “paranoia”.
A unificação virou piada de brasileiro. Ontem, o jornal português ‘A Bola’ assim reproduziu a frase em que Romário relacionava a saída de Ricardo Teixeira da CBF à extirpação de um câncer: “Eliminámos um cancro” — repare no acento agudo. “Factos”, assim, com “c”, continuam a ser publicados no ‘Diário de Notícias’, que também não abre mão de chamar de “selecção” o time, digo, a equipa nacional.
Jornais têm a obrigação de apresentar fatos de maneira objetiva, não podem abrir mão do compromisso com a clareza, são obrigados a evitar a dubiedade. Em nome desses princípios, deveriam articular um pacto de desobediência civil e recuperar o uso, pelo menos, dos acentos diferenciais. Seria um bom começo, facilitaria a vida dos leitores e até a do Harry — vai que ele aceita o pedido de casamento feito por uma repórter de O DIA e seja obrigado a aprender português. Ficará feliz em saber o motivo de fazer biquinho quando, numa churrascaria rodízio, pedir mais uma linguiça.

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