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A injustiça que entra em campo


Por Fernando Molica em 26 de setembro de 2012 | Comentários (0)

Coluna Estação Carioca, jornal O DIA, 26/9:

Os que detestam ou ignoram futebol não conseguem entender a gritaria em torno do erro — ou roubo — cometido por um árbitro. Consideram despropositado que adultos, profissionais respeitados, pais e mães de família, fiquem exasperados por causa de um apito fora do lugar. Não admitem que chutemos baldes e cachorros, que briguemos com a mulher por causa de um jogo. Alegam que há questões mais importantes na vida, no país, no mundo: filas em hospitais, a eleição de algum corrupto, o Mensalão, a fome, o Oriente Médio.

Nada do que está relacionado acima é irrelevante, tudo nos constrange, tem a ver com um grau de inconformismo. Ficamos incomodados com o que está errado, nos revoltamos com a injustiça das filas, com a corrupção e com as guerras. Mas esse sentimento, acredite, tem muito a ver com futebol. Nossa aproximação com o esporte ocorre cedo, na infância. É quando nos apaixonamos por um time, passamos a acompanhá-lo, a torcer por ele. Somos então apresentados à figura da justiça, personificada naquele sujeito que, antigamente, só se vestia de preto.

Assim, aos 6, 7 anos, às vezes antes mesmo de entrarmos para a escola, descobrimos que o cara do apito e seus dois auxiliares têm o poder de definir o certo e errado, o que pode e o que não pode; são responsáveis por algumas de nossas maiores tristezas. Não devem, portanto, falhar; não podem, principalmente, roubar. Crescemos cercados de injustiças e frustrações: não ganharemos o dinheiro que sonhamos, não evitaremos doenças, aquela menina bonita não nos dará bola. Aos poucos, aprendemos a necessidade de enfrentar os problemas e de nos conformarmos com o que não tem solução. Mas a relação com o futebol é um pouco diferente.

Gostar de futebol, ser apaixonado por um time, é também uma forma de protesto contra o mundo adulto, que se impõe imperfeito, cheio de dores e frustrações. O futebol é o nosso melhor brinquedo; o amor por um clube, inegociável, é o mais desinteressado de todos — há quem mude de sexo, mas não é admissível trocar de time. No futebol, aceitamos derrotas em nome de vitórias futuras, mas — crianças — continuamos a não perdoar o apito comprado.

Fraudar o resultado de um jogo representa uma tentativa de ferir de morte um sentimento de justiça original, algo que, apesar de tudo, insiste em viver em cada um de nós.

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