A louça fina de Sueli Costa
Por Fernando Molica em 04 de março de 2023 | Comentários (0)
Todo amor carrega
O medo de quebrar
Como uma louça fina
No mármore do olhar
Tinha 19 anos quando, por indicação do então professor Abel Silva (fui seu aluno na ECO-UFRJ), comprei este LP da Sueli Costa. Disco caprichado até no acabamento gráfico – o LP vinha envolvido num papel transparente, fino, referência à canção (de Sueli e Abel) que lhe dera o título.
‘Louça fina’ não é das composições mais conhecidas de Sueli Costa, que sequer a cantou numa apresentação em que estive presente na Casa do Choro, há uns cinco anos (até pedi, não rolou).
Mas é uma das minhas preferidas, pelos versos, elegantes e agudos, pela beleza de uma melodia simples, sofisticada e contida.
Não é tão famosa quanto a absurdamente linda ‘Jura secreta’, também dela e do Abel, ou como ‘Dentro de mim mora um anjo’ e ‘Face a face’ (ambas com Cacaso), ‘Coração ateu’ ou ‘Sabe de mim’.
Talvez também por não ser tão conhecida, ‘Louça fina’ ficou ali no alto do meu ranking de composições de Sueli. Como se eu e alguns poucos tivéssemos acesso a algo tão lindo, presente e cruel – o medo de um amor, louça tão fina, se quebrar.
Lembrei da canção em todas as quebras ocorridas desde então, como se o som da porcelana sobre a cerâmica servisse também de percussão para desfechos sempre tão tristes.
A canção também parecia traduzir a própria Sueli, louça fina, frágil, tímida, de voz curtinha e que, no palco, parecia prestes a se quebrar.
Hoje acordei com a notícia de sua morte. Fiquei – estou – bem triste, é outra representante de tempos mais delicados que se vai. Fui lá dar uma olhada no LP, as suas músicas vão chegando, os versos se atropelam na minha cabeça, em especial, aqueles de ‘Louça fina’:
É melhor
Deixar o amor correr
Em paz dentro de nós
Como se fosse um rio
Tocar em nossos olhos
Com seus dedos de brilho
E nos fazer queimar
Ou tiritar de frio
E nos fazer queimar
Ou tiritar de frio