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A maior tragédia


Por Fernando Molica em 08 de junho de 2016 | Comentários (0)

Claro que é fundamental apurar se PMs assassinaram um menino de 10 anos que, com um colega de 11 anos, havia furtado um automóvel em São Paulo. Mas o fato não deixará de ser terrível e sintomático do buraco em que vivemos mesmo se a versão dos PMs estiver correta, se o garoto morto tiver disparado contra eles.

Não dá para achar normal que duas crianças furtem carros. Uma sociedade que não se espanta com isso mostra que também sucumbiu à brutalidade, à insensibilidade. É absurdo demais ouvir comentários que reduzem o fato a questões individuais, a uma suposta “índole” dos dois garotos.

Vontade de vomitar sobre o pensamento simplista que busca nos chavões (“Fruta não cai longe de árvore”, “Pau que nasce torto morre torto”) explicação para um sintoma evidente de que falhamos na tentativa de construir uma sociedade decente – se é que, algum dia, tentamos mesmo fazer um país menos canalha.

Estou entre os que acreditam no contrário, que (por falar em árvores) colhemos os frutos da nossa aposta numa sociedade que se orgulha de suas raízes escravocratas, que cultiva a exclusão. Deu no que deu.

A biografia do menino morto é mais do que suficiente para explicar o que houve. Filho de pais que acabaram na cadeia, foi abandonado desde sempre, viu-se expelido da escola – nosso sistema educacional foi criado para atender filhos de famílias de comerciais de margarina -, dormiu nas ruas e numa van. Jogado no mundo, não foi acolhido por tantas e tantas instituições que deveriam ter cuidado dele.

Já dá pra ouvir os gritos daqueles que dizem que também foram pobres, que também passaram fome, que não conseguiram estudar, que não conheceram os pais e que, mesmo assim, não se bandearam para o crime. OK, sinceros parabéns pra vocês, pessoas lutadoras, que conseguiram driblar tantas dificuldades. Mas, desculpem-me, nem todos são assim tão bons.

A quantidade de crianças e jovens envolvida com o crime é tão grande que não é razoável atribuir o fenômeno a questões individuais e/ou genéticas, não dá pra achar que muitos de nós, brasileiros, temos uma espécie de defeito de origem, que somos ruins, que sofremos de algum desvio hereditário de caráter.

A edição de ontem da ‘Folha de S.Paulo’ registrou, no pé de uma reportagem, que uma associação de moradores da região em que houve a morte do menino prepara um ato de solidariedade aos PMs envolvidos no caso. Para essas pessoas, não importa se um dos policiais assassinou o garoto ou se reagiu a uma agressão – o importante é que um bandidinho foi morto.

Cidadãos falam esses absurdos como se não tivessem a menor responsabilidade por nossas tantas tragédias. Pior, mostram que continuam dispostos a incentivar a perpetuação de nossas escandalosas desigualdades e a estimular a formação de mais meninos envolvidos com o crime e de mais policiais assassinos.

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