A maioridade de ‘Notícias do Mirandão’
Por Fernando Molica em 22 de março de 2020 | Comentários (0)
Neste mês de março, meu primeiro romance, ‘Notícias do Mirandão’ (Record), completa 18 anos. O livro foi bem acolhido, recebeu resenhas muito legais, no Brasil, na Alemanha e na França.
Depois dele vieram outros quatro romances, um livro-reportagem, um infantojuvenil e diversos contos espalhados em antologias/coletâneas.
Não é muito fácil conciliar o trabalho de ficcionista com o de jornalista. Trabalhamos com a escrita, com a tarefa de contar histórias, mas as coincidências não vão muito além disso. Partimos de premissas diferentes, seguimos caminhos até contraditórios.
O jornalismo, mesmo quando busca mudanças, parte de pressupostos institucionais, legais, tem um viés conservador – aqui, não no sentido político-ideológico, mas no de manutenção de valores básicos de uma sociedade, consagrados na legislação.
Por mais que registre diferentes versões, o jornalismo não escapa do certo-errado.A lei é sempre uma referência importante, ainda que essa lógica possa ser questionada/temperada pelos ventos que sopram da sociedade.
Muitas pautas que provocariam discussões e mudanças – direitos humanos, respeito a minorias, feminismo, casamento entre pessoas do mesmo sexo – foram levantadas pelos jornais.
A ficção não tem esse compromisso, trabalha com outra lógica. Como jornalista e cidadão, não tenho como não condenar um homem que joga a filha pela janela.
Como ficcionista, meu interesse seria, principalmente, entender o que faz um homem – um ser humano como qualquer um de nós – jogar a filha pela janela.
Não buscaria uma condenação ou uma absolvição, mas algo que permitisse entender a barbárie.
A dor da gente não sai no jornal, diz o samba de Luís Reis e Haroldo Barbosa, não por acaso citado no meu primeiro livro, romance que traz um jornalista como um dos protagonistas. Foi divertido usar a terceira pessoa ao tratar do sujeito – no momento de estrear na ficção foi bom deixar claro que estávamos em lados diferentes, eu, aqui; ele, lá.