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A missa no reino de Roberto Carlos


Por Fernando Molica em 28 de dezembro de 2011 | Comentários (0)

Coluna Estação Carioca, jornal O DIA, 28/12

Roberto Carlos transformou seus shows numa espécie de missa. Todos sabemos o que será dito/cantado no palco/púlpito e, mesmo assim, saímos de lá felizes e emocionados. O ritual transmite segurança, revela que nem tudo mudou: o Rei parece estar ali desde sempre. Cheguei a tremer ao entrevistá-lo nos bastidores do primeiro Rock in Rio; afinal, era seu fã desde os anos 60. No último Carnaval, graças a um encontro com Léa Penteado, assessora de RC, fui um dos três jornalistas convidados ao seu camarote. Trocamos muitos sorrisos e algumas palavras: desconfiado, ele pensa muito antes de falar.

Uma vez, no meu blog, tentei entender como o ‘Rei da Juventude’ virou ‘o Rei’ (Pelé reina apenas no futebol). Arrisquei dizer que, mesmo hoje, um rei representa ideais, compromissos e expectativas. Reis são protetores, estão acima dos partidos, refletem e personalizam supostos sentimentos de seus povos. Chico Buarque é o que gostaríamos de ser; Roberto Carlos é parecido com o que somos — meio bregas, sentimentais, pouco politizados, mais ligados aos valores familiares do que aos comunitários. Ele traduz nossas contradições: mandou tudo pro inferno e pede para Nossa Senhora cuidar de seu coração. Suas canções ajudam a integrar um país desigual, passam por cima de contradições sociais. RC não disse uma palavra contra a ditadura mas, comovido com o exílio de Caetano Veloso, exerceu sua nobreza ao compor ‘Debaixo dos caracóis de seus cabelos’.

Episódios de sofrimento — o acidente na infância, a quase cegueira do filho, a paixão e morte de Maria Rita — reforçaram sua ligação com um povo que se vê solidário, que tem dificuldade com estruturas impessoais. As tragédias serviram para aproximá-lo ainda mais de seus súditos/fãs. Gostamos tanto de RC que respeitamos seu silêncio em relação a pessoas que, como ele, têm algum tipo de deficiência. Bastaria uma palavra dele para que o País se tornasse mais amigável em relação aos que, por exemplo, usam cadeira de rodas; é só ver o peso que ele tirou dos ombros de muita gente ao admitir o TOC. Mas o Rei tem lá suas fraquezas e evita o tema. Ao abordar, no ótimo ‘Roberto Carlos em detalhes’, o acidente que causou a amputação da perna de RC, Paulo Cesar de Araújo despertou a fúria real. Absolutista, Roberto Carlos conseguiu impedir a circulação do livro, um absurdo apenas compreensível pela lógica monárquica. RC acha que um rei não pode ser tratado de acordo com os valores republicanos.

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