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A nossa história nos prédios da cidade


Por Fernando Molica em 07 de junho de 2012 | Comentários (0)

Coluna Estação Carioca, jornal O DIA, 06/6:

Mais de cem anos depois do ‘bota-abaixo’ do então prefeito Pereira Passos, políticos do Rio insistem em, por ação ou omissão, acreditar que o passado é apenas uma pedra no caminho do progresso. Em maio, um casarão cansou de avisar que ia cair e deixou-se desabar. A bola da vez é o Quartel-General da PM, cotado para ser vendido e destruído. Não chega a ser um prédio bonito, mas passou a fazer parte da paisagem e da história da cidade. Antigo convento dos capuchinhos, foi ocupado pela polícia em 1831. De lá saíram voluntários para lutar na Guerra do Paraguai.

Há locais que se tornam referências em nossas vidas, trazem lembranças, remetem a fatos. Cada mudança na cidade, por banal que seja, leva um pouco da nossa memória. Assim, perdemos o cinema que foi cenário de um beijo, a praça em que um filho aprendeu a andar de bicicleta, o local do primeiro emprego. Prédios que atravessam décadas permitem que nos sintamos em casa, transmitem a segurança de saber onde estamos.

Ex-capital federal, o Rio herdou um tesouro arquitetônico que vem sendo massacrado. Muitas construções acabaram demolidas; outras, descaracterizadas — o Maracanã é um ótimo exemplo. Monumentos foram obrigados a conviver com vizinhos indesejados: o Convento do Carmo teve um espigão plantado em seu pátio. Agora, a Câmara Municipal ameaça autorizar mudanças graves no entorno de prédios históricos. Vale lembrar o que ocorreu na Cinelândia, onde a harmonia dos edifícios foi quebrada por torres que têm o efeito de uma nota desafinada e estridente que compromete a partitura. Pouco restou até da Avenida Rio Branco original, joia das intervenções de Pereira Passos.

Estimulada pelo desrespeito oficial e muitas vezes obrigada a buscar soluções relacionadas ao conforto e à segurança, parte da população também ajuda na destruição da cidade. A onda da modernização iniciada em meados nos anos 50 do século passado teve, sobre a maioria das casas dos subúrbios e sobrados do Centro, o efeito de sucessivas plásticas em mulheres. Não se tem de volta a juventude perdida nem se permite a chegada da beleza que emerge de uma amistosa convivência com o tempo. Nada contra o progresso, mas é inadmissível não buscarmos inspiração em países que se mostram capazes de administrar melhor a convivência do velho com o novo, em cidades que ganham muito dinheiro com a orgulhosa exposição de seu passado.

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