A obediência segundo o craque e o técnico
Por Fernando Molica em 26 de julho de 2012 | Comentários (0)
Coluna Estação Carioca, O DIA, 25/7:
Em sua longa temporada japonesa, Zico costumava se queixar da excessiva obediência dos jogadores de lá. Dizia insistir com seus colegas de time e, depois, com seus comandados, para que arriscassem e improvisassem mais. Segundo ele, seus companheiros e pupilos eram excessivamente dóceis, procuravam fazer tudo aquilo que o técnico mandava, não criavam alternativas para as jogadas.
Zico parecia evocar craques como Nilton Santos, lateral que, para desespero de Feola, técnico da Seleção de 58, gostava de partir para o ataque. Pelé era mestre no improviso, nas variações. Garrincha, se fosse músico, tocaria como os jazzistas que interpretam a mesma melodia de um jeito sempre diferente. Ao ignorar as normas, ele destruiu o “futebol científico” dos soviéticos.
Já o técnico do Botafogo, Oswaldo de Oliveira, disse, em entrevista, que os brasileiros deveriam incorporar a disciplina e a obediência do futebol japonês. Ele trabalhou cinco anos por lá, onde construiu uma carreira vitoriosa. A diferença em relação a Zico ajuda a explicar a recente glorificação dos treinadores, os “professores”, e revela uma diferença em relação à vida. Exemplo de atleta profissional, Zico ressaltava que o bom futebol tem compromisso com o inesperado. Teórico no melhor sentido da palavra — é formado em Educação Física e estudou para ser técnico –, Oliveira quer que seus jogadores cumpram sua vontade. É como se ele fosse um enxadrista e, os jogadores, peças (expressão hoje muito utilizada e que, há mais de um século, era usada para designar escravos).
A postura de muitos técnicos talvez ajude a explicar as dificuldades que jogadores como Loco Abreu têm com seus treinadores. Articulado, questionador, o atacante despachado para o Figueirense sabe que divergência não significa desrespeito. Mas os tais professores — é só lembrar o que ocorria com Romário — não gostam de alunos rebeldes, se acham donos de todo o saber. A vitória seria consequência direta da obediência às suas ordens; a derrota, filha única da insubordinação.
Técnico vitorioso, Oliveira é um homem educado, dono de um ótimo currículo, profissional que merece respeito. Mas ele e muitos de seus colegas deveriam entender que, no futebol e na vida, nem tudo pode ser planejado, deve haver espaço para o improviso e para algum surpreendente e encantador gesto de desobediência.