A pornografia da corrupção explícita
Por Fernando Molica em 22 de março de 2012 | Comentários (0)
Coluna Estação Carioca, jornal O DIA, 21/3:
Os programadores de canais de sexo explícito devem estar decepcionados. O ‘Fantástico’, mostrou, em 20 e poucos minutos, muito mais sacanagem do que qualquer especialista em pornografia poderia imaginar. Deu-se ali uma pequena mostra de como os cofres públicos são penetrados e violados. O ritual da corrupção dispensa carinhos, cantadas, convites para jantar. É tudo simples: pagou, pegou. Na visão dos corruptores, sentar na cadeira de administrador de hospital público equivale a bater ponto num bordel ou desfilar à noite por algumas calçadas suspeitas.
A desenvoltura dos corruptores assusta e enoja. Eles nunca tinham visto o suposto administrador — o repórter Eduardo Faustini –, não sabiam de seu passado e de sua eventual disposição para roubar, mas, mesmo assim, ofereceram propinas na maior cara de pau. Pareciam partir do princípio de que o sujeito, pelo fato de estar ali, era ladrão. É terrível imaginar que tipo de experiência gerou tamanha segurança, tanta certeza de que suas propostas seriam aceitas, bastaria apenas negociar a comissão a ser paga — 10%, 15%, 20%.
O negócio é tão descarado que eles chegam a falar em ética, em exemplo para os filhos. Ou seja, o feio é roubar e não levar; o condenável é não dividir de maneira razoável o fruto da pilhagem. A segurança na apresentação das propostas de suborno remete a uma ilação razoável: será que quase tudo é assim? O ritual do toma lá/dá cá se repete nas licitações dos governos municipais, estaduais e federal? A banalização do mal da roubalheira ajuda a explicar boa parte do desespero de políticos em conseguir nomeações, é só imaginar a quantidade de concorrências feitas no País. A disparada dos custos das campanhas eleitorais acabou contribuindo para a proliferação da safadeza, um político pode dizer que o dinheiro não é para ele, mas para o partido. Dá no mesmo.
A tranquilidade com que a bandalheira é proposta leva também a pensar nas consequências da tolerância com os pequenos delitos. Os corruptores da TV parecem gente comum, que vai à feira, que frequenta o estádio e chama o juiz de ladrão. Gente que dá uma cervejinha para o guarda, que dá abatimento para serviço prestado sem nota fiscal. Um maior rigor sobre as atitudes tomadas no dia a dia ajudaria a minar a naturalidade da cultura da corrupção. Até porque orgias — como a da reportagem e a dos filmes pornôs — exigem sempre a participação de mais de uma pessoa.