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A razão de Brizola*


Por Fernando Molica em 10 de junho de 2023 | Comentários (0)

A pressão da Câmara dos Deputados sobre o presidente Lula (PT) mostra que o ex-governador do Rio Leonel Brizola (PDT) acertou ao tomar uma atitude que contribuiria para sua decadência política: o questionamento do processo de impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, que seria consumado em 1992. O governador chegou a classificar a iniciativa de “golpe”.

Cunhado de João Goulart, presidente apeado do poder em 1964, Brizola parecia prever as consequências de dar ao Congresso força política capaz até de cassar o mandato de um presidente eleito pelo voto popular, um poder quase ilimitado.

Brizola, ao voltar do exílio, teve divergências com outros partidos de oposição e traçou seu próprio rumo. Centralizador e, mesmo, autoritário — era chamado de caudilho —, comprou briga ao defender a prorrogação por dois anos do mandato do último presidente da ditadura, general João Batista Figueiredo. Isso, desde que seu sucessor fosse escolhido em eleições diretas. Na época, começava a ganhar força a proposta de diretas em 1984 (depois, Brizola se integraria à campanha).

Terceiro colocado na eleição presidencial de 1989 (recebeu 11,168 milhões de votos), Brizola, na campanha, não economizou críticas a Collor, chegou a chamá-lo de “filhote da ditadura”. Em 1991, ao retornar ao governo do Rio, estabeleceu uma boas relações com o ex-adversário. Em outubro do mesmo ano, Brizola, no programa Roda Viva, foi claro ao responder se acreditava na hipótese de o presidente não chegar ao fim do mandato:

“(…) nosso país já sofreu bastante com essa ordem de problemas, de golpismo, seja através do Congresso Nacional, judiciário ou quartéis. Eu acho que nós podemos contrariar as iniciativas do atual governo, mas nunca questionar sua legitimidade, o direito que ele tem de exercer esse mandato até o fim.” Depois de acompanhar o enforcamento político do cunhado, Brizola não queria falar em corda. Enquanto isso, o PT acelerava na campanha pelo impeachment e tratava de ocupar o espaço à esquerda. Em 1994, isolado, ao concorrer de novo à Presidência, Brizola ficaria em quinto lugar, com 2,015 milhões de votos.

Ele, que morreu em 2004, não viu quando o Congresso repetiu o que fizera com Collor e deu xeque-mate em Dilma Rousseff nem as dificuldades que fizeram Jair Bolsonaro aceitar um, na prática, semipresidencialismo.

Responsável pela Campanha da Legalidade, que derrubou o parlamentarismo criado para limitar poderes de Goulart, Brizola, presidencialista convicto, hoje, defenderia Lula, faria discursos inflamados. Mas, entre uma declaração e outra, acenderia um cigarro, colocaria a mão no ombro do interlocutor, capricharia no sotaque gaúcho e, sorrindo, diria: “Eu venho de longe, bem que avisei. Não é verdade?”

 

*Artigo publicado em 05/06/23 no Correio da Manhã.

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