WWW.FERNANDOMOLICA.COM.BR

Blog

PONTOS DE PARTIDA, O BLOG DO MOLICA

A tragédia do bondinho e a cidade-cenário


Por Fernando Molica em 31 de agosto de 2011 | Comentários (1)

Coluna Estação Carioca, jornal O DIA, 31/8

Chega a ser complicado acreditar nos benefícios das obras anunciadas para a Copa do Mundo e Jogos Olímpicos diante da incompetência e da irresponsabilidade reveladas pelo acidente que matou cinco pessoas no último sábado. Como pensar em trem-bala, na expansão do metrô e e na modernização da SuperVia se o poder público, apesar dos vários alertas e reclamações, não conseguiu dar um jeito no bondinho de Santa Teresa? Por que esperar a morte de sete pessoas para se decretar uma intervenção na empresa que cuida dos bondes?

Não dá para entender como o mesmo governo que construiu uma obra complexa como o teleférico do Alemão não tenha tido capacidade de, literalmente, manter o bonde nos trilhos. Melhor: claro que dá para entender. O serviço de Santa Teresa se tornou ruim e assassino porque foi vítima do descaso criminoso de quem deveria cuidar dele. Não houve falta de recursos, mas de empenho e de interesse.

A proximidade da Copa e das Olimpíadas traz esperanças e, ao mesmo tempo, ressalta alguns riscos. Um deles é a possibilidade de os governos concentrarem empenho e dinheiro apenas nas obras relacionadas aos eventos. Teríamos assim uma nova versão da cidade partida — de um lado, a beneficiada pelas melhorias; de outro, a que ficou de fora. O bonde de Santa Teresa, esquecido por sucessivas administrações estaduais, faria parte desta segunda cidade. É um meio de transporte deficitário, que não gera interesse de empresários. O simpático e carioquíssimo bondinho, patrimônio da cidade, seria visto como algo arcaico, que talvez não combine com uma equivocada e colonizada ideia de modernidade.

A tragédia de sábado passado alerta para o risco de se tentar construir uma cidade baseada numa aparência de prosperidade; uma cidade-cenário, quase um parque temático, agradável apenas durante os eventos. Seria como dar uma nova versão para o absurdo cometido décadas atrás, quando o Rio sediou um congresso de agentes de viagens norte-americanos. Para que nossa miséria não os chocasse, outdoors foram colocados para esconder as favelas — não se tratava de resolver o problema da pobreza, bastava impedir que ela fosse vista pelos visitantes. Não adianta fazer belas e imponentes instalações em torno da Avenida Francisco Bicalho se o Canal do Mangue continuar a ressaltar a tragédia ambiental, social e sanitária que nos cerca. Não há maquiagem capaz de esconder tantas e antigas mazelas.

DEIXE SEU COMENTÁRIO

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Comentários
03 de setembro de 2011

É como se quisessem passar a ideia de "País das Maravilhas". Só que as pessoas se esquecem de um detalhe: assim como a Alice, é preciso "combater seus inimigos mais obscuros", aqueles que fazem parte da realidade de nossa sociedade: fome, pobreza, falta de saneamento básico, corrupção... e por aí segue a lista. Tapar o sol com a peneira é fácil. O mais engraçado é que o governo manda umas que... sem comentários! Um evento aqui, outro ali... dá um jeito de agradar o povo como era feito lá em Roma. Estão lembrados das aulas de História? Aquela ideia de Coliseu, dar pão e diversão ao povo, enquanto o governo fazia suas farras! Os anos e séculos passam, mas a forma de governar mantém a mesma base. Mas não culpo apenas o governo, não. O cidadão brasileiro (nós), que a cada eleição vai lá nas urnas, tem sua parcela de culpa. Talvez, seja preciso saber utilizar melhor a chance do "Confirma", ir mais às ruas. Sou nova, não vivi isso... mas antes havia ideais quando se protestava, quando se ia às ruas... Eventos como Copa, Olimpíadas... tenho medo de ter estádios ainda em obras enquanto a bola rola. Ou ter só um trecho do metrô em funcionamento.

Narayanna Borges