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A última morte do homem que morreu três vezes


Por Fernando Molica em 05 de junho de 2008 | Comentários (10)

Agora é definitivo: o advogado gaúcho Antonio Expedito Carvalho Perera, personagem do meu livro “O homem que morreu três vezes” (Record, 2003), está oficialmente morto. De acordo com o advogado Hugo Xavier da Costa, contratado por Cristina (filha única de Perera), nesta quarta-feira esgotou-se o prazo para que fosse apresentado recurso contra a decisão do juiz Leonyz Lopes Campos da Silva, do Tribunal de Justiça de Goiás.

No último dia 22 de abril, o juiz reconheceu o que está explícito no livro: Perera e Paulo Parra são a mesma pessoa. Parra – nome assumido por Perera para fugir à perseguição de órgãos de segurança europeus – morreu no dia 1º. de março de 1996, foi cremado e suas cinzas estão no cemitério de Bettola, na Itália. Na sentença, o juiz declara a morte presumida de Perera e determina que o “cartório do registro civil competente” faça “o assento do óbito de Antonio Expedito Carvalho Perera”. A certidão de óbito de Parra está publicada em “O homem que morreu três vezes”.

Ex-militante anticomunista, Perera, no fim dos anos 60, aproximou-se da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), escondeu em seu apartamento o capitão Carlos Lamarca – que desertara do Exército -, foi preso, torturado e banido do país em 1971. Perera foi um dos 70 presos políticos libertados em troca da soltura do embaixador suíço no Brasil, seqüestrado por organizações guerrilheiras de esquerda. Na Europa, ele se transformou em aliado de Illich Ramírez Sánchez, “Carlos”, o terrorista mais procurado nos anos 70.

Esta foi a segunda decisão da justiça goiana favorável à ação iniciada por Cristina Perera, filha de Expedito. Em dezembro de 2005, a morte de Perera também tinha sido reconhecida judicialmente. Mas, no início de 2006, o deputado federal José Mentor (PT-SP) deu entrada num recurso em nome do próprio Perera – que era seu cunhado. Para isso, ele se valeu de uma procuração passada por Perera para seu pai, Firmino, em 1971, ao ser banido. O pai de Perera substabeleceu a procuração para Mentor – mas, de acordo com o advogado Hugo Xavier da Costa, a justiça goiana acabou decidindo que a procuração tinha perdido a validade com a morte de Firmino, ocorrida em 2003. Mesmo assim, o processo em primeira instância teve que ser refeito.

Em novembro de 2005 (ver aqui), os jornais italianos publicaram que o Ministério Público de lá abrira, também com base nas informações de “O homem que morreu três vezes”, uma investigação contra a mulher com quem Perera/Parra vivera no país. A mulher, que se apresentava como “Amanda Castello” acabou admitindo que Parra era Perera e que seu nome era falso. O livro revelou que ela e Parra usavam passaportes brasileiros falsificados.

Abaixo, a sentença do juiz Leonyz Lopes Campos da Silva:

DIANTE DO EXPOSTO, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO FIRMADO NA INICIAL E
DECLARO QUE ANTONIO EXPEDITO CARVALHO PERERA, BRASILEIRO,SEPARADO
JUDICIALMENTE, ADVOGADO, PORTADOR DA CARTEIRA DE IDENTIDADE N.159
49B OAB/SP E PAULO PARRA, TAMBEM CONHECIDO COMO PAULO ANTONIO BLA
NCO PARRA, BRASILEIRO, PSICANALISTA, ESTADO CIVIL,CARTEIRA DE IDE
NTIDADE E CPF IGNORADOS, SAO, DE FATO, A MESMA PESSOA. DE CONSEQU
ENCIA, COM ARRIMO NO ART.7, INCISO I, DO CODIGO CIVIL, DECLARO A
MORTE PRESUMIDA DE ANTONIO EXPEDITO CARVALHO PERERA, QUE DE ACOR-
DO COM O QUE CONSTA NO DOCUMENTO DE FLS.90, OCORREU EM 01/03/1996
NA CIDADE DE MILAO, ITALIA. CUSTAS JA PAGAS. COM O TRANSITO EM JU
LGADO OFICIE-SE AO CARTORIO DO REGISTRO CIVIL COMPETENTE PARA QUE
PROCEDA AO ASSENTO DO OBITO DE ANTONIO EXPEDITO CARVALHO PERERA
OCORRIDO EM 01/03/1996, EM MILAO, ITALIA, SENDO A CAUSA MORTIS DE
SCONHECIDA. DEVERA CONSTAR NO ALUDIDO REGISTRO, AINDA, O RECONHE-
CIMENTO JUDICIAL DE QUE O DE CUJUS HAVIA ASSUMIDO, EM VIDA, A IDE NTIDADE DE PAULO ANTONIO BLANCO PARRA, E QUE SEU CORPO FORA CREMA
DO NO CEMITERIO DE BETTOLA, ITALIA. APOS, ARQUIVEM-SE OS AUTOS
COM AS CAUTELAS NECESSARIAS. CIENTIFIQUE-SE O MINISTERIO PUBLICO.
PUBLIQUE-SE. REGSITRE-SE. INTIME-SE. GOIANIA, 22 DE ABRIL DE 2008
LEONYS LOPES CAMPOS DA SILVA / JUIZ DE DIREITO.

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Comentários
14 de fevereiro de 2017

Caro Fernando Molica, sou médico, sobrinho da Nazareth de Oliveira, primeira esposa de Antonio Expedito Perera. Li o seu livro "O homem que morreu três vezes" e gostei muito! Convivi com Antonio Expedito Perera em 1964, quando morei por um ano em sua residência. Sou de Goiás e fui morar em Porto Alegre com a minha tia para estudar. A Cristina Perera era uma menininha de 5 anos. Sou testemunha da militância direitista do Expedito, que mandava um seu irmão, ainda criança, observar e anotar placas de seus vizinhos "brizolistas" para informar aos golpistas. Algum tempo depois, a partir de 1968, participei da resistência à Ditadura e me tornei membro fundador do PT. Ou seja, me tornei militante de esquerda e nunca abandonei esta posição. Pelo que conheci do Expedito, ele nunca me convenceu de que realmente tenha se tornado um militante de esquerda. Sempre achei muito estranha e pouco convincente esta guinada para a esquerda em sua história. Ele cultivava um estilo de vida verdadeiramente aristocrático. Sou de Pirenópolis, Goiás, como a Nazareth que é irmã de minha falecida mãe. A Nazareth é viva e hoje mora em Pirenópolis. Eu me lembrei de falar de Pirenópolis porque estou vendo um post acima de Rodrigo Ferreira que é também de Pirenópolis. Sou amigo e parente do Dr. Hugo Xavier, referido acima por ele e que foi advogado da Cristina Perera na disputa que manteve com a família do Expedito. Seria interessante que algum dia nós dois pudéssemos conversar sobre este polêmico personagem. Um grande e fraternal abraço, Fausto Jaime, faustojaime@gmail.com

Fausto Jaime
08 de janeiro de 2015

LI E RELI O LIVRO ASSIM COMO COMPAREI COM DADOS QUE TENHO DO PERIODO E DO MOMENTO EM SI E MUITO VERDADEIRO DESTACANDO UM COMENTARIO DE UM CONTEMPORANEO DO PERSONAGEM O QUAL OMITO POR TRATA-SE HOJE DE PESSOA PUBLICA QUE TRATAVA-SE DE UM AGENTE INFLITRADO PELO PODER DE ENTAO MESMO ASSIM E UMA HISTORIA FANTASTICA

CARLOS PFEIFFER
24 de junho de 2014

Obrigado, Marcelo. Desculpe a demora na publicacao, Efeito da Copa. abs.

Fernando Molica
05 de junho de 2014

Caro Fernando, sei que o parabenizo meio atrasado, mas não poderia deixar de fazê-lo pelo instigante livro. Gostaria de lembrar que o misterioso e complexo personagem Perera participou enfaticamente do documentário americano "Brazil: a Report on torture". Nunca imaginei que aquele advogado de palavras tão chocantes e críticas do filme tivesse trajetória de vida tão peculiarmente polêmica. Parabéns pela investigação!

Marcelo Rodrigues Dias
08 de setembro de 2013

Boa pergunta. Também fiquei com esta dúvida, mas não tenho nada concreto em relação a isso. abs.

Fernando Molica
03 de setembro de 2013

Fernando, Parabéns pelo trabalho. Um desses infiltrados seria ele? Segue: QUEM SERIA? (Especial com documentos secretos que teve acesso o Estado de SP, 01) Infiltrados. O militar brasileiro, cuja identidade não é revelada nos documentos, passou outro recado importante ao governo Allende. Entre os 70 “subversivos” brasileiros que foram ao Chile no ano anterior, trocados pelo embaixador suíço, Giovanni Bucher, havia dois espiões do Exército brasileiro. O governo Médici tinha deliberadamente atrasado a negociação para libertar os presos políticos com o objetivo de colocar os infiltrados em território chileno. Lá, eles deveriam coletar informações e se comportar como “agentes provocadores”, disse o informante.

Glaysson Muller
07 de maio de 2011

Obrigado, meu caro. Bem, também acho que a história rende um belo filme. Aguardemos. Abs.

Fernando Molica
05 de maio de 2011

Fernando, meu parabéns, seu livro sobre o Antonio Expedito é espetácular, li numa sentada. Inclusive acho que seu livro merecia uma adaptação para o cinema, é uma história simplesmente inacreditável, do tipo "mais incrível que a ficção". E a maneira como você o escreveu, pode-se dizer que ele é praticamente um roteiro quase pronto pra telona. abs. Eduardo Martins

Eduardo S. Martins
09 de junho de 2008

Rodrigo, já estive por aí duas vezes. A primeira, para fazer matéria sobre um padre que ameçava mandar para o inferno até mesmo os comerciantes que vendiam camisinhas (saiu na "Folha de S. Paulo", há uns 15 anos). Depois, em 2002/2003, voltei para entrevistar a Nazareth, viúva do Expedito Perera. Conheci o dr. Hugo aqui no Rio, quando fui chamado a depor no processo que, enfim, agora recebeu uma solução. Abraços, Molica

Fernando Molica
09 de junho de 2008

Prezado Fernando, se um dia vier a Goiás, visite Pirenópolis, cidade antiga, estilo Ouro Preto MG, a 120 km de Goiânia, rodeada de lindas serras preservadas, 80 cachoeiras, lindíssima. Ali, o senhor procure pelo Dr. Huguinho, que é como o Dr. Hugo é conhecido em sua cidade natal. tenha certeza que vai conhecer uma figura única. Autêntico. Muito boa pessoa, e que é protagonista de situações e causos pitorescos, a despeito de sua imensa capacidade profissional.

Rodrigo Ferreira