A vanguarda que se alia ao atraso
Por Fernando Molica em 05 de outubro de 2013 | Comentários (0)
É, acima de tudo, triste constatar que ídolos como Caetano e Gil – artistas brilhantes, que foram censurados, obrigados a sair do país, que sempre exaltaram a liberdade de expressão – passaram a defender limitações à produção de biografias. Alinham-se, assim, ao que de pior existe na política brasileira, se transformam em parceiros de homens e mulheres que temem a revelação de seus muitos pecados contra o país.
Os argumentos que utilizam são risíveis, essa história de dizer que a Justiça brasileira não é capaz de reparar abusos faz lembrar militares que falavam no despreparo do povo brasileiro para o exercício da democracia. É assustador que defendam pagamento pelo direito de se contar suas histórias. Estão confundido suas obras – sobre as quais têm todos os direitos – com suas vidas. Vidas e histórias de vida não se vendem, até porque ninguém vive sozinho, as histórias são construídas de maneira compartilhada, como mostra o próprio Caetano em seu `Verdade tropical`. No limite, a aplicação dos princípios de direitos de imagem sobre a vida de cada um impediria a edição do livro – qualquer personagem citado poderia pedir sua exclusão daquelas páginas.
A tese do grupo Procure Saber pode impedir a publicação de qualquer livro de não-ficção. Em sua monumental série sobre a ditadura, Elio Gaspari cita centenas de personagens, cada um deles poderia pedir para sair. O ‘Dicionário histórico-biográfico brasileiro’, de autoria do Cpdoc/FGV, teria que ser todo recolhido. Nem mesmo reportagens poderiam ser publicadas nos jornais – jornais, afinal, são empresas privadas, que buscam o lucro. Enfim, tudo isso é assustador, incompreensível.
Não estamos falando de pessoas pobres, que poderiam se sentir exploradas por biógrafos ou produtores de cinema, mas de artistas que, merecidamente, graças ao seu trabalho, ficaram ricos. Eles não podem, para usar a expressão do ex-ministro Fernando Lyra sobre o então presidente Sarney – um dos que, dizem, é contra a liberação das biografias – formar na vanguarda do atraso. Eles – Caetano, Gil, Djavan (Roberto Carlos parece ser um caso perdido) – não merecem isso.