A verdade necessária para o país
Por Fernando Molica em 15 de julho de 2013 | Comentários (0)
Coluna Estação Carioca, jornal O DIA, 22/5:
Volta e meia, algum inconformado com a Comissão Nacional da Verdade reclama que as investigações apuram apenas crimes cometidos por agentes do Estado durante a ditadura e ignoram os atos da esquerda armada. A argumentação parece correta, mas não é: boa parte da atuação da guerrilha contra o regime e pela implantação do socialismo no país foi devassada durante o próprio governo militar. Milhares de pessoas foram presas, interrogadas, processadas. Muitas delas foram vítimas da tortura então institucionalizada pelos donos do poder.
Assaltos a bancos, atentados a instalações financeiras ou quartéis, sequestros de diplomatas, mortes em combate e assassinatos ( “justiçamentos” de adversários e de aliados) cometidos por organizações clandestinas foram quase todos apurados, seus autores são conhecidos; ao contrário dos torturadores, a grande maioria dos guerrilheiros assume o que fez. Além da barbárie a que foram submetidos nos porões do regime, muitos dos antigos militantes contra a ditadura — inclusive aqueles não aderiram à luta armada — foram presos, outros foram exilados ou assassinados. Há centenas de casos de desaparecidos.
A grande questão é que só um lado da história foi contado de forma oficial: a versão de quem prendeu, torturou e condenou. Os processos contra as organizações de esquerda são públicos, podem ser consultados nos arquivos da Justiça Militar. É fundamental, agora, que o Estado brasileiro mostre quem foram os autores dos crimes cometidos em seu nome, financiados com os impostos pagos pela população. É preciso saber quem deu choques elétricos em órgãos genitais de mulheres grávidas, quem arrancou unhas de presos, quem deu o tiro de misericórdia, quem incinerou corpos de adversários. É essencial revelar o destino dos cadáveres — esse direito não é negado nem às famílias dos piores criminosos comuns.
Ex-agentes da ditadura se dizem orgulhosos do que fizeram. Que tenham então a coragem de revelar detalhes de sua prática, de contar o que fizeram, como fizeram, sob as ordens de quem. Não se trata de vingança, mas de um passo necessário para a superação de um trauma. O país não pode ter medo da verdade que sempre liberta. Uma verdade que, conhecida, ajudará a impedir a repetição dos erros e dos crimes cometidos durante aquele triste período de nossa história.