Aimó e a rica mitologia que desconhecemos
Por Fernando Molica em 27 de outubro de 2017 | Comentários (0)
Terminei de ler o encantador ‘Aimó – Uma viagem pelo mundo dos orixás’, de Reginaldo Prandi (Seguinte). O livro, como ele frisa, não é religioso, trata de mitologia, “a maior mitologia viva do mundo”, como ressalta em uma Nota do Autor. É impressionante como abrimos mão de estudar mitos tão bonitos, tão complexos, tão instigantes e tão presentes na nossa cultura, em nosso cotidiano. Ninguém precisa acreditar em Zeus e em Atena para conhecer a mitologia grega, o mesmo deveria valer para as culturas vindas da África.
Assim como os deuses gregos e romanos e diferentemente dos santos católicos, os orixás não buscam a perfeição. Como os humanos, matam, traem, seduzem, cometem injustiças. Pecadores? Não, não existe a noção de pecado, trabalha-se com a construção de vidas, de tomadas de decisões que, certas ou erradas, geram consequências. Vidas que podem ser revividas, do Aiê para o Orum (da Terra para o mundo dos orixás e dos espíritos), num ciclo interminável, cheio de beleza e de tentativas de explicar nossa presença por aqui.
O livro trata do percurso de Aimó, menina que morreu escravizada, sem deixar história, indigna, portanto, de ser lembrada e cultuada pelos que ficaram vivos. Depois de apelar a Olorum (“Senhor do infinito/ Ordena que Obatalá/ Faça a criação do mundo”, belíssimo samba da Beija-Flor de 1978), ela é conduzida por Ifá e Exu (orixás detentores, respectivamente, da memória e do movimento/transformação) por um caminho que lhe levará ao conhecimento de outros orixás. Caminha para poder escolher a mãe/orixá capaz de viabilizar seu retorno ao Aiê.
No percurso somos apresentados a diferentes possibilidades de vida e de explicações, de tentativas de compreensão dos muitos mistérios que cercam a vida. Num momento em que tantos posam de donos de tantas virtudes e certezas, o livro – que, insisto, não é religioso, não busca converter ninguém – releva nossas limitações, mostra que nem deuses são capazes de lidar de maneira perfeita com todas as complexidades e contradições presentes em cada ser humano. Afinal, como diz Oxalá a Aimó, vida serve para viver.