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Alfredinho e os ‘donos’ da praça


Por Fernando Molica em 27 de outubro de 2011 | Comentários (1)

Coluna Estação Carioca, jornal O DIA, 26/10

Dono do Bip-Bip, o melhor boteco do mundo para se ouvir música, o alvinegro Alfredinho estava mais mal-humorado que o de costume na roda de samba de domingo à noite. Nada a ver com a derrota do Botafogo na véspera. A bronca era porque, no caminho para o bar, em Copacabana, ele ouvira dois casais defenderem a retirada de favelas do bairro. “Eles disseram: ‘Até quando esse pessoal vai ficar por aqui?'”, indignava-se Alfredinho (o Bip deve ser o único boteco da Terra que tem uma espécie de editorial; lá pelas tantas o dono pede silêncio e deixa fluir sua revolta). Depois da queixa, escalou uma cliente, uma gringa que não falava português, para rodar a caixinha — uma embalagem de garrafa de uísque — onde recolhe doações para projetos sociais apoiados pelo bar.

Alfredinho só não estava mais irritado porque não ficara sabendo da manifestação de alguns moradores de Ipanema contra a construção de uma estação do metrô na Praça Nossa Senhora da Paz. Eles — que se julgam donos de um espaço público — alegam que a presença dos passageiros do metrô iria acabar com o sossego da praça, com o sossego deles. Alguns até levaram cartazes onde escreveram “A praça é nossa”. Como no caso da velha piada: “Nossa de quem, cara-pálida?” Sim, a praça é nossa, de todos nós, pobres, ricos e remediados: é mantida com a grana de nossos impostos. O direito de moradores de Ipanema sobre aquele terreno não é maior nem menor do que o de qualquer outro cidadão.

Outro dia, alguns moradores do Leblon também se disseram contra uma estação de metrô no bairro. Eles e seus vizinhos de Ipanema acham que moram numa espécie de condomínio fechado, só não têm coragem de confessar o preconceito contra aqueles que consideram invasores. Há uns 25 anos anos, houve uma grita semelhante contra a decisão do governo Brizola de criar linhas de ônibus que atravessavam o Rebouças e facilitavam o acesso aos dois bairros. Houve gente que propôs impedir a circulação dos ônibus nos fins de semana — isto, para impedir a presença de pobres nas suas praias.

É assustador ainda haver quem aposte na segregação, que sonhe com a manutenção de um Brasil para os pobres e um outro para ricos. O caos de nossas cidades, a violência e a má situação de nossas escolas, hospitais e transportes públicos são, em boa parte, consequência desta lógica desumana, egoísta e burra. Um país só é bom se for bom para seus habitantes, para todos nós, juntos, felizes e misturados.

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Comentários
01 de novembro de 2011

Pois é... infelizmente essa postura segregadora e preconceituosa não é exceção. É regra no Rio de Janeiro. E pela maneira como as intervenções urbanas para a Copa e as Olimpíadas estão sendo feitas, a segregação espacial na cidade e a desigualdade social só vão se agravar. Mais do que nunca, temos que lutar por uma cidade justa, democrática e inclusiva.

Renata