Anistia a jovens armados
Por Fernando Molica em 06 de junho de 2010 | Comentários (1)
O José Junior, do AfroReggae, levanta uma discussão bem interessante: uma possível anistia para jovens envolvidos com o tráfico de drogas, algo que viabilizasse a possibilidade de integração dessas pessoas numa outra lógica social. O Junior merece ser ouvido, ele tem experiência nessas, digamos, migrações. O tema, claro, é delicado, mas o fundamental seria discutir os benefícios que uma medida como essa poderia trazer. Outro ponto importante seria definir quem seriam os anistiáveis – nem todos, claro, poderiam ser beneficiados. Como contribuição, transcrevo aqui artigo que, em janeiro de 1996, publiquei na página 3 da Folha. É meio cabotino dizer isto, mas acho que ele continua atual.
Pacto da Rocinha
RIO DE JANEIRO _ Mesmo os defensores da solução policial para o problema da violência admitem que a raiz da situação de conflito está plantada no solo das carências e desigualdades sociais.
Já há algum tempo, estudiosos da situação carioca detectaram que, em muitas favelas, o poder formal perdeu a batalha para outro _um poder real, de fato, exercido pelo tráfico de drogas e construído com base no medo e em uma espécie de senso difuso que identifica no Estado uma espécie de inimigo, uma entidade que só aparece por ali metido em uniforme de polícia.
Há alguns anos falava-se no Brasil em um pacto social, um acordo inspirado no Pacto de Moncloa (o que viabilizou a transição democrática na Espanha) e que permitiria à sociedade administrar as liberdades recém-conquistadas.
Bem ou mal, o Brasil institucionalizou-se. Esse processo deixou de fora, porém, milhões de pessoas. Muitas dessas, como os sem-terra, continuam dispostos a participar da brincadeira: para isso chegam a arranhar a legalidade, mas seu objetivo final é o de integração na sociedade.
Outros, como os jovens que vivem armados em favelas cariocas, já perderam essa expectativa de integração: seu horizonte institucional aponta apenas para a cadeia.
A reversão desse quadro exigiria atitudes mais corajosas. O pressuposto seria o Estado e a sociedade admitirem sua responsabilidade na criação das condições que permitiram a expansão da miséria e da violência.
Dessa constatação e da vontade de mudança surgiria uma espécie de ”Pacto da Rocinha” _isso para citar uma das mais célebres favelas cariocas. Seria um acordo pelo qual o Estado, em seus diferentes níveis, se comprometeria a resgatar a tal dívida social, expressa hoje na falta de empregos, saneamento básico, escolas, transporte e atendimento médico.
Seria também necessário desarmar os grupos marginais. Para isso seria possível até pensar em uma solução que incluísse uma anistia em troca das armas. Anistia que viria acompanhada de oportunidades reais de integração social. É uma proposta arriscada, mas que, se bem-sucedida, proporcionaria ganhos para os dois lados. Seria, talvez, o início de uma sociedade mais justa e menos violenta.
Certamente seria uma alternativa "inteligente" dada a situação a que chegamos, do controle nas favelas pertencer aos traficantes. Agora, a polícia precisa estar preparada. Ela tem grande culpa pelo que acontece nos morros. A ditadura acabou, mas os métodos militares e civis não evoluíram. Lógico que, nem todos os marginalizados (e cabeças) merecem o mesmo tratamento.
Rômulo Martins