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Ao negar entrevistas, Crivella sai do palanque e volta para o púlpito


Por Fernando Molica em 26 de outubro de 2016 | Comentários (0)

Ao descumprir o compromisso de participar de encontros com jornalistas, Marcelo Crivella, candidato do PRB à prefeitura, nega o que publicou em seu site (lá está escrito que ele irá a todas as “sabatinas e entrevistas marcadas”) e demonstra que, como homem público, continua a adotar a lógica do líder religioso.

Ao contrário de governantes ou parlamentares, religiosos não são obrigados a justificar todos os seus gestos. Afinal, seus atos e falas estão relacionados com o processo de diálogo com o divino. Quem professa uma religião tende a aceitar o que lhe diz o padre, o pastor, o rabino, o babalaô, todos vistos como intérpretes do sagrado, autorizados por suas comunidades religiosas a transmitir verdades, ensinamentos e orientações.

Uma relação que manterá enquanto o fiel acreditar e/ou confiar naquele porta-voz do sagrado. Afinal, Deus não pode ser questionado, quem acredita se propõe a aceitar seus desígnios, por mais incompreensíveis e terríveis que sejam para os mortais.

Às voltas com seu passado – livros, música e o ato que lhe gerou inquérito e prisão -, Crivella, num primeiro momento, procurou se justificar. Alegou que o livro ‘Evangelizando a África’ era fruto de excessos da juventude (ele tinha 42 anos quando a edição brasileira foi publicada; a em inglês saíra três anos antes) e ainda pediu perdão.

O pedido de desculpas – que, na prática, representaria um rompimento com o ideário de sua Igreja Universal do Reino de Deus – pode até ser sincero, mas só ocorreu depois que o livro foi descoberto pela imprensa. Ao falar da canção em que ironizava a fé católica em Nossa Senhora, Crivella negou o óbvio, disse que a música não está relacionada com o chute numa imagem de Nossa Senhora Aparecida dado por um então bispo da Igreja Universal.

Exposto a fotos feitas numa delegacia, o senador, inicialmente, disse que forçara a entrada num terreno de sua igreja para desalojar invasores e que chegara a ser preso. Depois, contou outra história, e foi imediatamente desmentido pelos repórteres, que apresentaram gravação da entrevista em que ele narrara sua primeira versão para o episódio.

Ao ser mais uma vez confrontado, Crivella, líder das pesquisas, com boa vantagem sobre o adversário, demonstra ter desistido de apresentar versões e foge de situações em que será questionado. Diferentemente do que se espera de um político, ele não quer mais saber de esgrimir fatos e argumentos e assume de vez a lógica do líder religioso, quer que seus fieis/eleitores acreditem que tudo não passa de armação de jornalistas e de empresas de comunicação. Na aparente falta de argumentos, apela para a fé.

No lugar de responder aos novos fatos, ele ofende e expõe jornalistas, falta a compromisso e forja uma cruzada contra a imprensa. Busca sintonia com um discurso de vitimização que faz muito sentido entre evangélicos até por conta da perseguição – esta, real – empreendida pela Igreja Católica contra seguidores da Reforma Protestante.

A atitude de Crivella pode até lhe garantir a vitória no domingo, mas representa uma grave ameaça à cidadania, gera o medo de que, no governo, ele poderá também se achar no direito de negar explicações e fugir de esclarecimentos.

Num momento em que tanto se exige transparência da administração pública e dos responsáveis pelo uso dos recursos que são de todos, o candidato adota a lógica da fé, a fé que remove repórteres e perguntas. Ao confundir palanque com púlpito, ao se apresentar como dono da verdade e de um discurso acima de questionamentos, Crivella parece, mais uma vez, ir contra ao que disse, e demonstra não ser candidato a prefeito, mas a perfeito.

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