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Apenas um comercial de perfumes


Por Fernando Molica em 29 de junho de 2015 | Comentários (0)

Estação Carioca, O DIA, 8/6.

A reação negativa de alguns setores ao comercial da rede O Boticário que trata casais homossexuais com naturalidade faz lembrar uma tirada do ex-deputado Roberto Jefferson. Em 1996, sua escolha para a função de relator de projeto que previa a união civil entre pessoas do mesmo sexo assustou a militância gay, já que ele não demonstrava qualquer simpatia por propostas mais ousadas.

Jefferson, porém, surpreendeu os ativistas e se mostrou favorável à causa. Isto, depois de fazer uma pergunta irônica à autora do projeto, a então deputada Marta Suplicy: “A proposta prevê união obrigatória com pessoas do mesmo sexo? Se for aprovada, eu só vou poder me casar com um outro homem?” Como a resposta — claro — foi negativa, ele não viu qualquer problema no projeto, que, por pressões conservadoras, acabaria retirado da pauta.

Não custa repetir que nem o mais radical defensor dos direitos dos homossexuais quer fazer com que homens passem a ficar com homens, e mulheres com mulheres. Também não vale dizer que os donos da empresa de cosméticos tentam estimular a mudança na orientação sexual dos brasileiros — eles querem apenas vender perfumes. Achar que a publicidade pode influenciar em algo tão íntimo seria o mesmo que admitir que um rubro-negro queira, depois de submetido a uma intensa campanha, jogar no lixo a camisa do Flamengo e vestir a do Vasco. O Boticário também não pode ser considerado culpado se, depois de assistir ao comercial, algum Robernildo tenha pensado em trocar sua Florisbela por um Waldemar. Neste caso, o filme — e cito de novo o Roberto Jefferson — terá apenas contribuído para despertar instintos mais primitivos que estavam adormercidos no tal sujeito.

A insistência na condenação de aspectos da vida privada costuma servir como uma espécie de cortina de fumaça lançada por políticos que têm muito a esconder na esfera pública. Quem insiste em falar na defesa dos valores da família tende a defender mesmo os interesses concretos de sua própria família. Em 1996, o então deputado Severino Cavalcanti chamou de “excrescência” o projeto de união civil. Anos depois, flagrado numa orgia de denúncias, ele se viu obrigado a renunciar ao mandato. No mais, chega ser risível a decisão do Conar, conselho que autorregulamenta a publicidade, de examinar o comercial de O Boticário. Pelo visto, o passo seguinte será julgar anúncios que tratem como normais relações amorosas entre negros e brancos, israelenses e palestinos, atletas olimpícos e paralímpicos, flamenguistas e vascaínos.

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