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Aquarela do João


Por Fernando Molica em 06 de julho de 2019 | Comentários (0)

Há muito que João Gilberto não era mais uma trilha sonora compatível com o Brasil. O país ficou mais bruto, cruel, vulgar, desumano; rompeu com qualquer projeto de carinho, de amor, de busca de alguma paz. O Brasil desafinou, deixou-se embalar pelo ódio, pela repetição de certezas e de chavões – nem a nossa música escapou de tamanha banalização.
João Gilberto apostou no incerto, inventou um jeito de cantar e de tocar violão, mirou a utopia, a afinação absoluta. Sacrificou a própria sanidade em busca no inalcançável, é possível que tenha morrido frustrado por não ter atingido tamanha perfeição. Fomos testemunhas privilegiadas de sua jornada.

Há pouco, ao saber de sua morte, cantarolei `Chega de saudade`, lembrei do dia em que, disfarçado de publicitário, acompanhei o que seria um ensaio dele com Tom Jobim num hotel de Ipanema. João chegou atrasado, foi no quarto da suíte afinar o violão e, ali, a uns três ou quatro metros de onde eu estava, cantou várias vezes a já pra lá de conhecida canção – meninos eu vi, eu ouvi.

Mas acho que essa gravação de ‘Aquarela do Brasil’ traduz melhor o momento da morte de João. Aqui, Gil e Caetano não escondem a alegria de cantar ao lado do mestre de todos, dá pra sentir a reverência pelo mais velho, por aquele que abriu caminho pra tanta gente.
Ouvir esses três baianos cantando o mineiro Ary Barroso é lindo e triste, remete a um passado em que acreditávamos num país que, no futuro, seria mais justo e doce. O país decidiu se perder, mas, até por conta desses grandes artistas, ainda dá para ter esperança num Brasil melhor, mais bonito, mais harmônico e delicado – pra mim, pra todos nós.

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