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As canções e os mitos


Por Fernando Molica em 03 de março de 2016 | Comentários (0)

Dia desses, em meio a um samba na Rua do Ouvidor, peguei carona numa conversa entre os amigos Luiz Antonio Simas, titular deste retângulo às quartas-feiras, e Alberto Mussa. Eles comentavam como é absurdo o desconhecimento que temos da mitologia que integra as religiões de matriz africana. Não se discutia uma proposta de educação religiosa, de busca de ampliação no número de fieis. A questão era outra, uma crítica ao desprezo oficial a um sofisticado conjunto de conhecimentos que tenta explicar e interpretar o mundo.

Aqui no Brasil, achamos normal — e é mesmo — estudarmos mitos relacionados à tradição religiosa grega, base de boa parte da cultura ocidental. E ninguém é doido o suficiente para dizer que a busca desse conhecimento implica em passar a se acreditar em Zeus, Poseidon, Hera e Afrodite. Da mesma forma, o cristinismo pode ser pesquisado por ateus.

Tudo isso é para ressaltar o CD ‘No reino da pedra miúda’, que o cantor Lucio Sanfilippo acaba de lançar. Compostas pelo Simas citado no primeiro parágrafo, as canções abrem caminhos para mundos ao mesmo tempo familiares e misteriosos. Quase todas inspiradas em orixás, as músicas citam nomes e palavras que, desconhecidos pela maioria, reforçam a nossa ignorância e a nossa burrice em desprezar uma tradição tão rica e bonita.

Ecumênicas, tratam de Oxumarê, Nanã, Exu, Olorum, mas também de São João e de Jesus — resgatam assim uma de nossas melhores tradições, a de misturar, acrescentar, unir. Em algum lugar do nosso passado, os sons dos tambores se misturaram ao coro das rezadeiras e aos cânticos dos índios. As canções do CD reforçam esta convivência, a ideia de que, em matéria de fé e cultura,uma afirmação não deve implicar na negação de quem pensa ou crê de outra forma.

As cantigas gravadas por Sanfilippo são um convite para que possamos nos reconciliar com algo que, queiramos ou não, está presente na nossa formação, que remete à infância, a todos aqueles que vieram antes de nós e aos que nos sucederão. Apelam pela tolerância, pelo respeito e apontam para a necessidade de nos conhecermos melhor.

Estação Carioca, O DIA, 21/12.

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