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As janelas que nos separam


Por Fernando Molica em 25 de outubro de 2017 | Comentários (0)

Há alguns anos, criei uma espécie de índice de civilização baseado nas janelas de casas e apartamentos de lugares que visito. Nada a ver com luxo ou beleza, mas como a existência ou não de grades. O conceito é simples – são melhores (mais justas, vivas, agradáveis, solidárias, seguras) as cidades que têm menos grades.

Minha última experiência foi em Vancouver, onde estive no mês passado. Chega a ser surpreendente para os olhos cariocas perceber aquela sucessão de residências com muros baixos e desprovidas de barreiras de ferro e alumínio nas janelas. Por lá, grades são raras em áreas ricas e em subúrbios povoados por imigrantes chineses, bairros que lembram cenários de filmes americanos.

Janelas têm o objetivo de ventilar nossas casas, servem para permitir a circulação de ares e ideias – a palavra “janela” é com frequência usada como metáfora para uma abertura ao novo, para o diálogo. Janelas abertas são convite à conversa, à troca de impressões, de ideias, à interação de quem está dentro com quem está fora.

Nossas trancas acabam servindo de ilustração para este momento nacional de baixa permeabilidade, de reafirmação de conceitos e de convicções – assim como ladrões, a entrada de maneiras diferentes de encarar o mundo tem sido cada vez mais barrada entre nós.

De maneira mais ampla, movimentos urbanísticos das últimas décadas também buscaram o isolamento. A lógica dos conjuntos residenciais populares, fechados em si, apartados das vias urbanas, acabou replicada em lançamentos para ricos e para integrantes de diferentes faixas da classe média. Voltados para o próprio espaço, apartados, essas casas e prédios foram cortando a ligação com as cidades; o mundo externo, que fica fora das grades, passou a ser visto como ameaça, como território do outro, do estrangeiro, daquele que ameaça.

Em busca da segurança cercada, controlada por câmeras e agentes armados, condomínios ajudaram a degradar as ruas, a torná-las mais vazias e, portanto, inseguras.
As desigualdades, o medo do desconhecido, a segregação e a violência produziram no Brasil cidades que negam o conceito de cidade, que impedem o convívio, que tendem a se transformar em conglomerados de guetos, espaços restritos, fechados à interação, imensas janelas trancadas.

Um processo que, no fim das contas, acaba aproximando favelas de condomínios de classe média alta e de pedaços de bairros como o pra lá de chique Jardim Pernambuco, no Leblon. Todos, independentemente da renda de seus moradores, são áreas públicas (sim, inclusive condomínios como os da Barra) de acesso controlado, vigiadas por homens armados que restringem o acesso de estranhos. O Brasil tanto se esforçou para segregar que conseguiu adotar em áreas ricas a mesma lógica de favelas dominadas por traficantes ou milicianos. Estamos todos dominados.

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