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As novas máquinas


Por Fernando Molica em 04 de junho de 2009 | Comentários (2)

O acidente com o avião da Air France me fez lembrar da participação do escritor argentino César Aira na Flip de 2007. Ele, de cara, leu um texto bem interessante sobre uma característica das máquinas modernas, computadorizadas. Em linhas gerais, disse que, pela primeira vez na história da humanidade, era impossível descobrir o segredo de uma máquina apenas com sua desmontagem.

Explico: o funcionamento de um velho fusca ou de um fogão tradicional está explícito em suas peças, na lógica de sua montagem e de seu encaixe. Um bom mecânico é capaz de desmontar um fusca, peça a peça, e explicar como aquilo funciona – carburador, platinado, câmbio. E, em tese, teria capacidade de remontar o carrinho.

A automação complicou esse processo: se eu desmontar este computador em que escrevo, encontrarei apenas fios e circuitos. Não há, aqui dentro desta máquina, nada que sugira suas diversas finalidades – neste momento, servir de suporte para este texto. Bem diferente, portanto, da máquina de escrever que eu cheguei a utilizar em redações de jornais: era um instrumento mecânico, movido por minhas mãos. O apertar de uma tecla movia algumas peças e, uma delas, ia de encontro a uma fita que carimbava um sinal gráfico numa folha de papel.

Os aviões antigos, como o Electra, seriam como as máquinas de escrever. Um bom mecânico saberia explicar como aquele negócio funcionava e voava. Era um mecanismo emprenhado de uma lógica visível e reconhecível, mais, digamos, humana. Já o Airbus, moderno e todo computadorizado, trabalha em um outro patamar. Trata-se de uma máquina que não confia nos seres humanos, que se quer melhor que seus criadores. É mais sensível, razoável, inteligente – capaz de analisar cada situação para tomar decisões mais corretas e equilibradas. É uma máquina que corrige o ser humano, que duvida de suas ordens: se um comandante quiser jogar o avião contra uma montanha, os sistemas do Airbus o impedirão. É programado para evitar atitudes radicais. O problema é que, volta e meia, é preciso ser radical para se salvar um avião.

Como diz o jargão jornalístico, as causas do acidente ainda são desconhecidas. Mas os jornais já aventam a possibilidade de problemas no sistema do avião. Em algum momento, a máquina pode ter gritado para seus, em tese, comandantes: “Segura aí, tô fora”. Ou seja, a máquina pode ter dado pau. Isso, a dez mil metros de altura. E aí, cabe a dois seres humanos a responsabilidade de domar um aparelho construído para não ser dominado, para desconfiar dos homens. Segura, peão.

Obs: há muitos anos, uma falta repentina de luz no início da noite fez apagar todos os textos que estavam sendo escritos pelos repórteres da Sucursal Rio da Folha. O meu texto, inclusive. Houve uma gritaria, todos reclamamos, xingamos. Nisso, o Janio de Freitas, que então resistia aos computadores, saiu de sua sala sorridente, brandindo as laudas preenchidas em sua máquina de escrever. De sacanagem, ainda comentou em voz alta que, no caso dele, a falta de luz não causara a perda de qualquer informação.

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Comentários
10 de junho de 2009

Caro Daniel, não quero fazer qualquer manifesto contra o avanço tecnológico, longe disso - escrevo num computador, não numa máquina de escrever. Apenas registro que, volta e meia, levo um susto diante de uma tecnologia que se apresenta tão cheia de mistérios, tão - ouso dizer - mágica. abs.

Fernando Molica
10 de junho de 2009

Caro Molica, O piloto que pousou seu Airbus no rio Hudson após perder as duas turbinas devido à colisão com aves, dificilmente teria conseguido salvar toda aquela gente sem a tecnologia do avião. Dá só uma olhada aqui:http://www.vanityfair.com/style/features/2009/06/us_airways200906 Abs.

Daniel