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As pessoas que Tim Lopes colocou no jornal


Por Fernando Molica em 05 de outubro de 2013 | Comentários (0)

Coluna Estação Carioca, O DIA, 02 de outubro:

O ótimo documentário ‘Histórias de Arcanjo’, de Guilherme Azevedo e Bruno Quintella, resgata um ponto fundamental da trajetória profissional do homenageado, o jornalista Tim Lopes (registrado como Arcanjo Antonino Lopes do Nascimento). As circunstâncias de sua morte — foi assassinado por traficantes de drogas — acabaram encobrindo a principal característica de seu trabalho. O foco de Tim não era o crime explícito, aquele que tanto frequenta as páginas dos jornais e o noticiário da TV. Dono de uma visão bem particular, ele tinha o poder de enxergar os invisíveis. Denunciava o crime implícito e repetido da exclusão, da pobreza, da injustiça, do racismo.

Ao olhar para a construção do metrô, Tim não viu apenas a expectativa de um bom transporte ou os problemas causados pelas obras. Ele reparou nos operários, aqueles homens que se amontoavam em alojamentos precários, que disputavam sabonete, chuveiro e comida. Para narrar suas vidas, se fez um deles. Enquanto desviávamos nossos passos dos meninos que, nas ruas, cheiravam cola e cometiam pequenos crimes, Tim sujava o rosto e cobria-se de roupas velhas; por alguns dias, tornou-se o ‘tio’, o líder daquelas crianças que, enfim, seriam individualizadas e humanizadas.

Em 2002, no fim de uma passeata em Ipanema em que protestávamos contra a morte de nosso amigo, comentei com um colega: se, num domingo como aquele, Tim fosse escalado para fazer matéria na praia, escaparia de clichês como a multidão ou um novo tipo de biquíni e falaria dos vendedores que trabalhavam debaixo do sol. Ao ver o filme, montado por Joana Collier, vi que acertara. Numa reportagem, ele sentiu nos ombros e nas pernas o peso de carregar, pela areia, uma geladeira de isopor cheia de picolés. A praia de Tim era diferente, seu olhar também alcançou os jovens que desciam a favela para surfar.

Em uma de suas cenas mais surpreendentes, o documentário mostra uma professora negra dando aula em universidade inglesa. Décadas antes, quando não se falava em cotas, ela, brasileira, então universitária, fora personagem de matéria em que Tim alertava para a exclusão de negros do Ensino Superior. História contada pelo mesmo repórter que voltou ao Morro da Mangueira, onde havia sido criado, para exaltar o sambista Carlos Cachaça. Tim foi, acima de tudo, um repórter solidário com pessoas cujas dores e alegrias não costumam sair no jornal.

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