As poucas e boas histórias
Por Fernando Molica em 17 de junho de 2016 | Comentários (0)
Gosto dos livros que contam muitas histórias, mas gosto também dos livros que parecem contar poucas histórias, mas que se aprofundam nos temas, nos personagens, que ressaltam o que um olhar menos atento classificaria como banal.
Romances que são como quadros, como os do Edward Hopper, como o ‘Absinto’, do Degas, como ‘Caipira picando fumo’ e ‘Violeiro’, do Almeida Junior. Pinturas que contam toda uma história em apenas uma imagem. São quadros e romances que, por mais detalhes que apresentem, permitem ao observador/leitor complementar aquela narrativa, imaginar novas saídas, criar situações, pendurar outros adereços nos personagens.
Essa introdução é pra elogiar ‘Amanhã não tem ninguém’, do camarada Flávio Izhaki, e ‘Abaixo do paraíso’, do André de Leones. O primeiro disseca alguns momentos fundamentais de uma família judia a partir de narrações, em primeira pessoa, de alguns de seus integrantes. Não há no romance um grande e espetacular momento, uma virada, um instante de tensão – e é isto que o faz tão particular, tão delicado, tão denso.
Izhaki nos apresenta diferentes versões para vidas mais ou menos banais, gente como a gente, sejamos judeus, católicos, candomblecistas, ateus, negros, brancos. Histórias que, misturadas, revelam consensos e contradições – cabe ao leitor escolher as melhores possibilidades.
Tudo permeado por solidão, lirismo, frustrações e pequenos e reveladores espantos, como o apresentado no fim do livro, um momento de lucidez e de brilhantismo de um personagem improvável.
De Leones foca num personagem, em suas andanças e viagens não muito bem explicadas, contadas na perspectiva de quem as vivencia. Uma história embaçada como a vida do protagonista. Ficamos sabendo de suas vagas ligações com a política, com a política real, pragmática, somos informados de um crime, algo meio inexplicável, sem sentido. Como no livro do Izhaki, o sentido será construído aos poucos, a cada frase.
Uma narrativa aqui e ali pontuada por passagens bíblicas que, ao contrário da visão tão comum, não tentam servir de guia, não buscam indicar um rumo, não apontam para a salvação. Apenas entram na história misturadas à poeira, às roupas sujas jogadas num hotel barato de alguma cidade do Centro-Oeste. A luz que nasce é pouca, mas importante como um fiapo de sol que aponta por uma fresta na janela.