Blocos de guerra
Por Fernando Molica em 06 de fevereiro de 2009 | Comentários (1)
A radicalização em disputas para a escolha de sambas de blocos ameaça uma das mais divertidas brincadeiras criadas no Rio nos últimos anos. Explico: ninguém ganha nada ao vencer um desses concursos. Fatura-se apenas uma duvidosa glória, conquista-se também o prazer de ver milhares de pessoas cantando uma música que você ajudou a fazer.
Em alguns casos, os compositores têm direito a beber cerveja de graça durante o desfile. Não conheço ninguém que tenha conseguido arrastar uma colombina graças a uma dessas vitórias, mas é possível que isso já tenha acontecido. Bem, as glórias terminam por aí – pelo menos para quem acha que vencer disputa de samba de bloco é apenas vencer disputa de samba de bloco. Falo com algum conhecimento de causa: ganhei duas vezes, perdi várias.
O bom mesmo não é a disputa, mas fazer o samba. Juntar um grupo de amigos e passar horas bebendo, inventando frases e sacanagens. Ou seja, o que vale a pena é brincar. Trata-se de uma atividade lúdica, quase infantil, disputada com a gana que se dedica a uma boa pelada de fim de semana. É algo que tem a força de uma pelada e, ao mesmo tempo, a consciência de sua desimportância. Fazer samba é também uma forma de render homenagem ao Rio, à sua história, à sua tradição – a uma tradição que precisa sempre ser renovada para não ficar encastelada, cheia de pó.
Mas repito: só vale a pena fazer isso brincando. E, nos últimos anos, a brincadeira tem começado a ficar séria demais. Jurados têm deixado de sorrir, de sambar: ficam compenetrados, sérios, assumem o ar de quem participa de uma banca de pós-gradução. Torcidas uniformizadas são montadas, uniformes e camisetas para grupos de competidores se tornais comuns, gritos de guerra – vâmulá! vâmuganharessaporra! – têm sido ouvidos.
A generosidade entre vencedores e vencidos acaba sendo substituída por uma postura arrogante, que reforça a Vitória assim, com V maiúsculo, que tenta ganhar bafos de epopéia. O prazer de impingir derrotas parece, em alguns casos, ser maior do que o prazer de ganhar. A possibilidade de vencidos subirem no carro de som para ajudar a cantar o samba dos vencedores – isso já aconteceu – parece ter se acabado.
Combinemos: sambas de bloco podem ser legais, engraçados, criativos. Mas, de um modo geral, não são obras fadadas a conquistar um lugar na eternidade. Quase todos cheios de lugares-comuns, nas letras e nas melodias, esses sambas têm, desde o nascedouro, uma espécie de prazo de validade: são feitos para durarem por duas, três, quatro horas – o tempo de um desfile. Podem ganhar uma vida extra na memória de seus compositores, na de um ou outro folião. Mas tudo se acaba numa imaginária quarta-feira.
O carnaval prescinde de jurados, de gritos de guerra, de vamuláporra. Pegando carona em Bosco/Blanc, não ponham cordas – nem mesmo virtuais – no meu bloco, nem que seja no meu bloco do eu sozinho, no bloco dos meus amigos. Cordas que só existem para quem decide se submeter a elas. Por enquanto – e espero que eu tenha juízo de renovar esse por enquanto ao longo dos próximos carnavais – eu pulo fora da cordas, das disputas, dos jurados, dos gritos de guerra. Vale lembrar: isso é apenas carnaval. Aos vencedores, os confetes.
Uma pena. Essa competitividade boboca, meio belicosa, que até bem pouco parecia ser característico apenas dos EUA, vem se alastrando por aqui e, como sói acontecer aqui, da forma mais caricata.
Marco Rocio