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Bolsonarismo sem Bolsonaro*


Por Fernando Molica em 03 de julho de 2023 | Comentários (0)

A perspectiva de Jair Bolsonaro ser declarado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral cria uma situação que, de maneira até paradoxal, favorece o PL, partido ao qual o ex-presidente está filiado. Presidente da agremiação, Valdemar Costa Neto repete ser grato ao ex-ocupante do Planalto, sabe que foi graças à sua influência que conseguiu formar a maior bancada na Câmara dos Deputados – além de força política, isso garantiu um aumento expressivo nas verbas oficiais recebidas pelo partido.

Mas o problema de Bolsonaro é a dificuldade de se submeter a alguma disciplina. A mesma intuição e grande capacidade de interpretar sentimentos de dezenas de milhões de brasileiros impedem que ele tenha um comportamento menos radical, algo que tende a atrapalhar o crescimento de uma direita menos bélica.

A eleição de Tarcísio de Freitas (PP) ao governo paulista e a reeleição de Romeu Zema (Novo) em Minas Gerais indicam a viabilidade de um bolsonarismo sem Bolsonaro, com baixos – ou, pelo menos, menores – teores de radicalismo.

Caso seja escanteado pela Justiça Eleitoral, o ex-presidente se torna numa espécie de trunfo do PL, que poderá utilizar sua popularidade para conquistar votos nas eleições de 2024 e de 2026. Impedido de concorrer, Bolsonaro seria apresentado como uma vítima da elite política, em especial, do Poder Judiciário, algo que apreciado por boa parte dos seus eleitores.

O bolsonarismo sem Bolsonaro permitiria ao PL voltar a exercitar práticas mais tradicionais de um partido que jogava no bloco do Centrão e que, desde a morte de seu fundador, o ex-deputado Álvaro Valle (1934-2000), nunca se aliou a qualquer corrente ideológica. Seu liberalismo sempre teve um viés, digamos, mais pragmático.

Foi esta capacidade de jogar nas 11 que levou o PL a ficar com Lula na eleição de 2002 – o partido indicou o vice, José Alencar. Em entrevista à revista Época em 2005, Costa Neto confirmou que recebera R$ 6,5 milhões do caixa 2 do PT em troca do apoio. Um acordo fechado com José Dirceu e Delúbio Soares. Lula e Alencar estavam no mesmo apartamento em que negociação foi feita.

Sem Bolsonaro candidato, Costa Neto teria como administrar uma guinada ao centro do bolsonarismo, tentar fazer com que o partido permanecesse como uma referência anti-PT e, ao mesmo tempo, ficasse mais palatável aos eleitores que ficaram órfãos com o esvaziamento do PSDB.

Uma depuração que manteria um compromisso com a direita sem os exageros do ex-presidente e de seus seguidores mais combativos. Na prática, ampliaria uma configuração visível no Congresso Nacional, onde a bancada do PL se divide entre os bolsonaristas-raiz e aqueles que aderiram ao então presidente da República para viabilizar suas próprias ambições.

Haveria, em se tratando de Bolsonaro, o risco de ele, na derrota, acabar se retraindo, como fez ao perder a eleição passada. Pouco afeito ao trabalho partidário e muito voltado para uma atuação individualista, o ex-presidente deixaria, assim, de colaborar com o PL.

Experiente na política e nos tribunais, condenado por corrupção e preso no caso do Mensalão, Costa Neto sabe o custo de armar uma boa defesa em processos judiciais. Bolsonaro é explosivo, pouco ou nada diplomático, mas não desconhece a matemática e os danos que viriam de um isolamento político.

*Publicado no Correio da Manhã em 26/6/23.

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