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Bolsonaro impede Bolsonaro de ser líder da oposição


Por Fernando Molica em 22 de março de 2023 | Comentários (0)
A proposta de fazer de Jair Bolsonaro (PL) o líder da oposição ao governo esbarra num obstáculo quase intransponível, o próprio Bolsonaro. Ao longo de sua carreira como vereador, deputado e presidente, ele demonstrou ter muitas dificuldades para exercer funções que exigem paciência, dedicação, capacidade de negociação e trabalho intenso, sem hora para acabar.
Representantes de correntes políticas muitas vezes antagônicas, Gleisi Hoffmann (PT), Arthur Lira (PP), Valdemar Costa Neto (PL), Marcos Pereira (Republicanos), Juliano Medeiros (Psol) e outros tantos têm, ao menos, um ponto em comum: ralam o dia inteiro em seus partidos, viram noites em reuniões muitas vezes insuportavelmente chatas, ouvem pedidos e reclamações, abrem mão de posições, engolem sapos, são obrigados a viajar mesmo nos fins de semana para cultivar uma ou outra liderança ou tentar pacificar uma crise entre aliados.
Para o bem ou para o mal, eles se esforçam muito. Sabem que não podem apenas lutar pelos próprios interesses particulares, chegaram a postos de liderança graças à capacidade de apresentar e negociar demandas de outros políticos e de variados setores da sociedade civil. Uns fecham com o agronegócio, outros com o MST; um grupo está com a Faria Lima, outro foca nas periferias; há os que se empenham na defesa de interesses nacionais legítimos, outros se dedicam a viabilizar propostas menos nobres e mais lucrativas. Mas todos expressam forças e desejos de determinados grupos da sociedade – e isso dá uma mão de obra danada.
Por mais importante que seja o cargo ocupado por um político, ele não pode deixar de visitar suas bases, tem que conversar com vereadores, associações de classe, grupos de pressão. Cabe ao líder ouvir muito e formular alguma direção de acordo com cada realidade local. Políticos, por mais personalistas que sejam, sabem que precisam representar diversos interesses, sabem que política é um jogo coletivo.
Em seus mandatos parlamentares, Bolsonaro representou grupos específicos – militares e policiais, principalmente -, tudo indicava que ele ficaria restrito a esse universo. Sua chance de romper as barreiras corporativas e chegar à Presidência foram geradas por uma configuração muito particular do país: denúncias de corrupção, prisão de Lula,  descrédito dos políticos, crise econômica, incômodo de muitos setores com avanço de pautas identitárias, uso competente e profissional das redes sociais.
Bolsonaro, com seu jeitão de ser contra tudo o que está aí, montou no cavalo que passava selado à sua frente e deu-lhe algumas chicotadas, sacou que poderia tirar proveito da situação, soube se transformar no catalizador de uma revolta difusa que havia na sociedade. Mais: conseguiu incorporar esse sentimento não apesar de seu radicalismo, mas graças a essa sua postura desafiadora, de sua fama de brigão, de politicamente incorretíssimo.  Conseguiu ser eleito sem o respaldo de partidos fortes, com pouquíssimo tempo de TV no primeiro turno; no segundo, contrariou todos os manuais de propaganda política e tornou seu discurso ainda mais agressivo. Chegou ao Planalto sem ter muitos débitos a quitar.
Na Presidência, continuou a encarnar o único papel que sabe representar, o de Jair Bolsonaro. Cercou-se de militares, parentes e amigos, tratou de se livrar de alguns aliados quando pressentia a possibilidade do que classificava de traição – em alguns casos, uma simples crítica. Em seu mandato, as demissões de ministros eram dramáticas como letra de bolero, carregadas de mágoas e acusações.
A tentativa de negar a política como ela é durou até brotarem as ameaças de impeachment. Da mesma forma que tercerizara a economia para Paulo Guedes, entregou o governo ao Centrão e foi passear de moto – Toma que o orçamento é seu. Livre da chatice de governar, acelerou o jet ski – teve tempo para falar com seus fãs, bater ponto em formaturas militares, expor suas ideias de sempre, enfatizar a tal pauta dos costumes, provocar o que tivesse pela frente, desafiar o Judiciário, o bom senso e a ciência.
Foi derrotado na eleição do ano passado, mas a diferença tão pequena de votos para Lula seria capaz de mantê-lo como porta-voz e representante de uma força política muito forte. Mas, para isso, ele teria que conversar com aliados, debater propostas e estratégias, dar pitacos na formação de diretórios estaduais e municipais do seu partido, estudar, para melhor criticar, medidas do governo Lula, apontar caminhos mais razoáveis para seus seguidores. Tarefas nada atraentes, mas essenciais à vida política.
O ex-presidente não tem paciência para nada disso. Durante seu mandato era comum ouvir de interlocutores que ele ficava disperso em reuniões de trabalho. Preferia mudar de assunto, contar uma piada. Desprezava relatórios,  gostava mesmo de receber e divulgar divulgar fake news de fácil entendimento, que correspondessem às suas ideias, pílulas de cloroquina verbal administradas, goela abaixo dos internautas, no Instagram, Facebook e Twitter.
Político carismático, dono de uma grande capacidade de captar e traduzir o que pensa um grupo muito grande de cidadãos, chegou ao Planalto ao seguir sua própria intuição, sem abrir mão do que ele é. E é assim que ele demonstra ter vontade de seguir, mesmo em uma conjuntura diferente, ele está fora do poder e sua chance de reconquistá-lo ;e bem incerta. É improvável que o eleitor volte a apostar numa nova ruptura como a que representou a eleição de Bolsonaro. O PT terá que fazer muita besteira para impulsionar um ambiente semelhante ao de 2018.
Fiel ao que pensa, o ex-presidente acredita que voltará a ser beneficiado pela radicalização, aposta no seu feeling, na sua capacidade de atuar mais como líder religioso do que como um representante de demandas políticas e econômicas. Diferentemente do que ocorre com políticos, gurus, profetas e santos não precisam negociar, apresentam suas verdades aos fieis. Fiel ao mito propagado por seus seguidores, não admite fazer uma leitura política da derrota eleitoral, primeiro passo para uma eventual volta por cima.
Zeloso de seu lugar no altar, ele sequer admite a possibilidade de que lhe venham fazer sombra – já mandou dizer que não quer saber do protagonismo político de sua mulher, é questão de tempo para reclamar dos ensaios de voo solo do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que trata de tocar seu governo do seu jeito e, de vez em quando, alimenta a fúria de bolsonaristas com algumas marteladas, medidas retrógadas na área de costumes.
Sem paciência para o jogo político – não quer ser eleito, mas ungido -, Bolsonaro vai tocando a bola pro lado na Flórida, adia sua volta ao Brasil, repete o discurso de sempre, reclama de supostas pedaladas judiciais e, novidade, cozinha suas próprias salsichas, alimento que funciona quase como uma metáfora de seu discurso: pré-cozido, de sabor uniforme, fácil de ser preparado e consumido.
Enquanto isso, Tarcísio de Freitas, Romeu Zema (Novo) e Hamilton Mourão (Republicanos) fazem política, conversam, articulam. Tentam se apresentar como menos indigestos aos eleitores bolsonaristas. Arriscam pratos mais nutritivos e com dose menor de pimenta, tratam de servi-lo aos seguidores que demonstrem cansaço do rancho oferecido pelo ex-capitão.
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