Bruno e o direito do consumidor
Por Fernando Molica em 22 de dezembro de 2014 | Comentários (0)
Coluna Estação Carioca, O DIA, 11/8:
Lançado pela Editora Record, ‘Indefensável’, de Leslie Leitão, Paulo Carvalho e Paula Sarapu, é mais que a narrativa de um crime. Além de detalhar a quase inacreditável história do assassinato de Eliza Samudio, o livro, ao contar a vida do goleiro Bruno, traça um impressionante painel sobre uma parcela importante da juventude brasileira, exposta à pobreza, à falta de educação, à ausência de laços familiares. Jovens que buscam no consumismo suprir tantas faltas. Um tipo de vida também detectável em muita gente endinheirada desde o berço.
Trata-se de uma lógica comercial, desprovida de valores humanistas. Tudo pode ser comprado — carros, motos, roupas de grife, barcos, amigos e amores. Em algumas religiões, até mesmo benesses divinas podem ser adquiridas, são proporcionais aos investimentos feitos pelos fiéis. Ainda no início de carreira, Bruno usou sua pouca grana para comprar um carro. A geladeira de sua casa estava vazia, ele sequer tinha condições de bancar a gasolina do brinquedo. Mas o importante era ter um carro, ele era um dono.
Nesse universo, amizades — inclusive aquelas que nem o tempo iria apagar — têm a ver com prestação de serviços. Macarrão, além de melhor amigo do então goleiro do Flamengo, era também seu empregado, seu faz-tudo. O dinheiro serve para abreviar a busca de sexo, de namoradas. Nada de perder tempo e lábia, algumas das mais lindas mulheres têm preço, estão etiquetadas, prontas para serem consumidas. Foi assim que Bruno conheceu e engravidou Eliza.
É mais fácil nos desfazermos de objetos do que pessoas. Mandamos para o lixo bens que já se tornaram imprestáveis, que nos dão mais problemas do que satisfação. Foi assim que Bruno agiu em relação ao produto Eliza. Em sua cabeça, ela, ao engravidar, infringira uma espécie de artigo do Código de Defesa do Consumidor. Fora alugada para lhe proporcionar alguns bons minutos de prazer, não para gerar um filho, um — vá lá — bem durável, que deveria viver mais que seu próprio fabricante. Ídoso da maior torcida do país, adorado por amigos que dele dependiam, o jogador sentia-se imbatível, onipotente.
Pouco antes do crime, os advogados dele e de Eliza haviam esboçado um acordo, algo que envolvia uma pensão de R$ 3,5 mil (ele ganhava, só de salário, R$ 120 mil mensais). Mas Bruno optou por uma saída que lhe pareceu mais simples, tratou de se livrar daquele produto que — como um carro velho, um computador lento ou um sapato apertado — lhe trazia tantas dores de cabeça.