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Carnaval com roleta


Por Fernando Molica em 27 de dezembro de 2017 | Comentários (0)

Essa história de blocódromo chega a ser patética, uma demonstração de desconhecimento da cidade, de seu povo e das suas tradições. Brincar num bloco tem a ver com ocupação da rua, com a (perdão pela palavra) ressignificação do espaço público – entra a fantasia, saem o trabalho, a gravata, a obrigação.

Trata-se de um desafogo temporário que só faz sentido se realizado em lugares abertos. Algo semelhante a outros tipos de manifestações públicas, como políticas ou religiosas. Todos – foliões, políticos e religiosos – precisam da rua, para brincar, mostrar força ou fé. Não dá pra fazer procissões católicas ou megaeventos evangélicos em igrejas. Não dá pra homenagear Iemanjá numa piscina, né mesmo, Luiz Antonio Simas?

O renascimento dos blocos de rua no Rio está também ligado à elitização e ao excesso de organização das escolas de samba. O espetáculo ficou tão certinho que perdeu muito de sua capacidade de expressar o sentido libertário do carnaval, ganhou outra dimensão. Num processo (perdão de novo) dialético, o engessamento dos desfiles – desde 1984 emoldurados pela dureza do concreto armado – abriu caminho para os blocos, com dinheiro ou sem dinheiro a gente brinca.

Claro que, numa cidade grande como o Rio, o crescimento dos blocos geraria problemas, provocaria transtornos. Ao longo dos últimos anos, essas questões vinham sendo mais ou menos equacionadas, a quantidade de banheiros químicos aumentou, os blocos maiores foram retirados da Zona Sul e levados para o Centro. O caminho da negociação é o único possível, não dá pra retirar o carnaval do Rio assim como não é possível aterrar nossas praias ou acabar com nossas montanhas.

O Rio já viveu a fase de remoção de favelas, volta e meia há quem proponha limites à circulação de ônibus que levam suburbanos às praias da Zona Sul. A tentativa de enquadramento dos blocos faz parte do mesmo processo de separação, de manutenção de privilégios, de criação de feudos, O morador de Bangu é tão dono da praia de Ipanema como qualquer proprietário de cobertura da Vieira Souto. Espaços públicos são de todos.
No primeiro parágrafo falei em desconhecimento da cidade, mas a criação do blocódromo pode ser também o contrário, uma medida pensada por gente que conhece tanto a cidade que prefere vê-la enquadrada, domesticada, desprovida de sua força criativa e contestadora. Um Rio que tenha favelas cercadas, praias de acesso controlado e carnaval com roleta.

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