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Carnaval


Por Fernando Molica em 17 de fevereiro de 2010 | Comentários (5)

Pitacos desorganizados antes do início da apuração das escolas de samba:

1. Os carnavalecos deveriam aprender que esculturas de pessoas feitas em fibra de vidro ficam muito feias. Quando tendem à caricatura são até aceitáveis, mas ficam terríveis quando tenta reproduzir o rosto do homenageado. Nos desfiles deste ano, isso ficou evidente na Mangueira e no JK da Beija Flor.

2. Por falar na escola de Nilópolis: ela deveria voltar a fazer aqueles enredos de sempre, sobre índios. A escola muda apenas o nome da tribo e os gritos guturais do refrão do samba (de ÔÔÔÔÔÔÔÔÔÔÔ para ÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊ). A escola é uma espécie de Irmãos Villas-Boas, ótima para cuidar de índio. Por falar nisso: acho que aquele índio voador que veio no abre-alas já sobrevoou a passarela outras vezes.

3. Com todo respeito: escola de samba de São Paulo não sabe nem comemorar título.

4. Pelo jeito, o Renato Lage vai insistir com acrobatas no abre-alas até o dia em que eu aprender a falar Intrépida Trupe sem errar.

5. O Max Lopes derrapou na Imperatriz. Faltou emoção no desfile, a relação do povo com as religiões não foi enfatizada. O belíssimo samba fala que “a Imperatriz é um mar de fiéis” e eles, os fiéis, não apareceram. Saudade da ala de romeiros que a Viradouro, anos atrás, apresentou na reedição do enredo “Círio de Nazaré”. O desfile da Imperatriz ficou parecendo cerimônia do Vaticano: muito luxo e pouca fé.

6. A Grande Rio melhora quando fala de enredos alheios.

7. O samba da Vila é muito bonito (com exceção daquela história de “Fez a passagem pro espaço sideral”. Alma vai pro céu, pro além, pro infinito. Quem vai pro espaço sideral é astronauta, é foguete). Mas como eu ia dizendo: o samba é bem bonito, mas não serviu como samba-enredo. Não conta uma história, não alinhava um enredo. Faz pouca relação entre Noel e seu tempo (fala apenas do cometa e da Revolta da Chibata). Também não relacionou o compositor e suas músicas (o que seria uma outra alternativa para desenvolver a história na avenida). Tudo isso prejudicou o desenvolvimento do enredo, que ficou muito preso à figura do Noel. Que sirva de lição para a Mangueira quando, enfim, fizer o enredo sobre Cartola.

8. Unidos da Tijuca: ao contrário de outros, acho até que faltou ousadia. O Paulo Barros pareceu até meio contido pelas críticas que andou recebendo. Esperava mais surpresas. Mas foi um belo desfile, aposto na escola para campeã.

9. Assim que acabou o desfile da Tijuca recebi uma mensagem indignada de um grande amigo imperiano. Revoltado, ele dizia que o desfile perdera sentido, se transformara em Broadway, que Homem Aranha tinha virado mais importante que Cartola. Respeito, mas discordo. Desde sua origem que as escolas de samba do Rio (como mostra o livro do Simas e do Mussa) representam uma tensão entre a tradição e a aceitação. Não chegariam ao atual patamar se não fosse a presença de pessoas de fora – em São Paulo, por exemplo, elas continuam mais nos guetos, não foram legitimadas pelo resto da sociedade, pela classe média (esta, vem brincar no Rio). Esta tensão permitiu às escolas cariocas negociar sínteses entre suas origens e as demandas, digamos, da modernidade (o dado mais evidente é a submissão a um padrão estético externo, elaborado, muitas vezes, por professores de artes plásticas). As escolas não podem temer influências externas, são capazes de incorporá-las e de recriá-las. Não é justo negar às escolas o direito de serem influenciadas por culturas externas – afinal, é o que defendemos para a música, para o cinema, para a literatura. Se admitimos a presença do universo pop em outras produções culturais, não podemos negar o mesmo às escolas de samba. E, convenhamos, elas são muito mais fortes que os tais super-heróis. De vez em quando, uma ou outra escola exagera – e se ferra. A ligação com suas comunidades originais é que lhes garante vida e relevância.

10. Ah, todo mundo concorda que a tal da Lesga é uma versão muito piorada da Liesa que, por sua vez, não é lá essas coisas.

11. E viva o Carnaval de rua. A cidade virou um imenso blocódromo. Que bom.

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Comentários
17 de fevereiro de 2010

"As escolas não podem temer influências externas, são capazes de incorporá-las e de recriá-las.". Este é o meu ponto: não creio que sejam mais. Como escrevi no artigo, hoje são refens dos carnavalescos

Marcelo Moutinho
17 de fevereiro de 2010

Outro pitaco: o samba da Imperatriz era o melhor do ano. Mas sobre o tema, o do Império 2006 é melhor. E o desfile tbm foi..

Marcelo Moutinho
17 de fevereiro de 2010

A vantagem é que no ano que vem estarei longe. Cansei.

Marcelo Moutinho
17 de fevereiro de 2010

Concordo que o externo não pode se impor (digo mais ou menos isso no post). Escolas que exageraram acabaram se perdendo (a Beija-Flor ficou muitos anos sem ganhar nada, enquanto a Mangueira, por um bom período, soube unir tradição e modernidade). Assisti a um ensaio técnico da Tijuca, creio que em janeiro. Fiquei surpreso: a escola cantou o samba (que achava ruim, passei a achar bom), evoluiu muito bem. E não havia alegorias, fantasias. Só havia a escola. Fiquei impressionado, comentei isso na época. Como disse no post, nem acho que a Tijuca fez um desfile tão espetacular, esperava mais surpresas. Mas nenhuma outra se destacou - e havia um débito que precisava ser saldado. A Tijuca merecia ter vencido antes. Desta vez, o jogo ficou zerado. Mas, enfim, o debate é importante. Talvez no ano que vem as HQs invadam o Sambódromo, a presença pop seja ainda maior. E, quem sabe, isso dê vitória a um desfile mais tradicional. É a velha e boa história da dialética. abração.

Fernando Molica
17 de fevereiro de 2010

Claro que as escolas incorporaram - e devem incorporar - o externo. O que não pode é o externo tomar conta. O que havia de Unidos da Tijuca no desfile? Abracao!

Marcelo Moutinho