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Chico Buarque, o homem solidário


Por Fernando Molica em 27 de junho de 2014 | Comentários (0)

Coluna Estação Carioca, O DIA, 23/6:

Por conta dos 70 anos do Chico Buarque, completados na semana passada, jornais e emissoras de rádio perguntaram a diversas pessoas qual seria, entre tantas, a melhor música do compositor. Eu nem ouso me colocar essa questão, de resposta impossível. Por baixo, calculo que a medalha de ouro teria que ser dividida por, sei lá, umas 30 canções. Melhor, umas 40.

Sergio Buarque de Holanda, pai do Chico, definiu o brasileiro como um “homem cordial”, movido mais pela emoção (cordial vem de coração) do que pela razão. Arrisco dizer que seu filho incorporou o homem solidário. Não foram poucas as vezes em que recorri à solidariedade expressa nas músicas que ele compôs. Muita gente fez o mesmo, tenho certeza.

Além de cobrar o fim da ditadura, Chico mostrou-se solidário às suas vítimas. Foi parceiro de sem-terras, de pedreiros, de operários que voavam de construções. Estendeu seus versos aos que sofriam por amores desfeitos ou por uma recorrente desilusão com o país. Procurou entender traídos e os que traíam (“Te perdoo por te trair”, escreveu). Nos acompanhou ao fundo do poço ao tratar dos mínimos e dolorosos detalhes de uma separação, das sobras de tudo que chamam lar, do paletó que enlaça o vestido, do adorar pelo avesso. Mas, depois, nos ajudou na volta por cima — brincando, disse que mudava de calçada, quando via uma flor. Tentou amenizar a dor dos mais desesperados ao dizer que aquele amor seria herdado por futuros e desconhecidos amantes.

Sempre exercitou um olhar que não compactuava com o senso comum. Respondeu com ‘Pivete’ e ‘Meu guri’ ao coro dos que urravam pega-mata-come pelas ruas. Pressionado pela polícia, não hesitou em chamar o ladrão. Não discriminou amores, ressaltou a injustiça sofrida por Geni. Cantor atormentado, como admite na letra de ‘Sinhá’ (composta com João Bosco), nunca deixou de apontar uma esperança.

Como disse, sou incapaz de indicar alguma música favorita entre as do Chico, mas volta e meia me surpreendo com algumas delas. Creio que me a*posentaria se tivesse composto ‘Todo o sentimento’ (parceria dele com Cristóvão Bastos), não arriscaria qualquer outra criação, não teria mais nada a falar.

Acho que trancaria em casa, assustado pela ousadia de descrever o até então indizível, a declaração de um sujeito sobre um amor que se perde e se renova ao longo do tempo. A letra trata de uma esperança viável apenas aos olhos de um apaixonado, a ilusão de, ao lado da amada, criar o próprio tempo. Um tempo fora do tempo, em que os dois sequer precisariam de palavras para que conseguissem se entender:

“Apenas seguirei, como encantado/ Ao lado teu”, conclui.

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