Chuva no mar
Por Fernando Molica em 24 de fevereiro de 2018 | Comentários (0)
Nascido e criado num bairro distante do mar, sempre associei praia ao ir à praia, ao sol, à areia apinhada de gente. Mais do que paisagem que ficava tão longe, praia era programa, passeio dominical que começava bem cedo, com despertar por volta das 7h – na lógica doméstica suburbana, até o lazer tinha algo de trabalho, de dever, de sacrifício. Não havia tempo a ser desperdiçado com mar em dia de chuva, a beleza não bastava em si, tinha que ser útil.
Daí talvez meu fascínio pela praia em dias chuvosos, pela praia que esnoba frequentadores, que abandona a condição de animal domesticado por banhistas, vendedores, exposto à urina, ao lixo, à gritaria, às brigas.
A chuva liberta a praia, devolve o mar a si mesmo, à sua imponência, à sua brutalidade, mistério que assusta, que mata, que nos impõe respeito e medo. Água que descarta muito do azul ou verde, que reassume o peso do seu chumbo. Em dias de chuva, de praia quase deserta, o mar mostra quem é que manda por ali.