Com CPMI, bolsonaristas arriscam perder jogo que tentam promover*
Por Fernando Molica em 28 de abril de 2023 | Comentários (0)
Ao pressionar pela instalação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito para tentar jogar no colo do governo pelo menos parte da responsabilidade pelos atos golpistas de 8 de janeiro, a base bolsonarista vai para o tudo ou nada, faz uma jogada arriscada e, mesmo, contraditória com sua atuação nos últimos anos. A busca de negar o que foi visto e comprovado e de colocar o Planalto em xeque tem potencial para jogar para fora do tabuleiro o rei derrotado em outubro do ano passado e de complicar a vida de muitos aliados.
Mesmo beneficiado pela Lava Jato e embalado por um discurso contra a política, Jair Bolsonaro só chegou à Presidência graças a uma pra lá de azeitada máquina de propagação de boatos e mentiras jogados nas redes sociais. Inverdades que se encaixavam em visões de mundo conservadoras, alimentadas por restrições ao PT e à esquerda em geral.
Fake news dão resultado porque preenchem desejos de quem as consome, são como as peças que faltam num quebra-cabeças idealizado por cada um de nós, reforçam nossas convicções, por mais frágeis que sejam. O bolsonarismo não é a única tendência política a usar o mecanismo, mas se destaca na competência e efetividade.
Essas notícias fraudulentas são criadas para confirmar certezas e resistir a qualquer desmentido, trabalham na lógica da fé e da adesão, resistem à racionalidade. Milhões de pessoas acreditaram em kit gay, em mamadeira em forma de pênis, em castelos e frigorífico de propriedade de filhos do Lula e em perseguição a igrejas – acreditaram porque queriam comprovar sua crença na malignidade petista. Um dogma não pode ser desmentido, não há como negar a um cristão que Cristo ressuscitou; será inútil dizer a um mulçumano que Maomé não subiu aos céus, a um judeu que o Messias não virá, a um candomblecista que Xangô não é o senhor da justiça.
Ao longo de seu mandato, Bolsonaro e os responsáveis por sua comunicação seguiram a mesma cartilha de viés religioso, baseada na crença, na mitologia. Diante de elementos que desmentiam suas certezas e previsões, o então presidente reagia como o dramaturgo e jornalista Nelson Rodrigues quando, contrariando suas previsões, o Fluminense perdia um jogo importante: “Se os fatos são contra mim, danem-se os fatos”.
Bolsonaro minimizou a tragédia da covid, brigou com vacinas e normas sanitárias, disse defender o liberalismo e aumentou a distribuição de dinheiro público, falou em combate à corrupção e se rendeu ao orçamento secreto, espalhou mentiras sobre urnas eletrônicas, plantou e estimulou publicamente as bases para uma ruptura do processo democrático.
Mas fakes news têm limites. Não há como negar que as manifestações golpistas diante de quartéis, os protestos violentos contra a diplomação do presidente eleito, a tentativa de explosão de um caminhão de combustível no aeroporto de Brasília, os bloqueios em estradas e a intentona de 8 de janeiro foram planejados e executados por seguidores de Bolsonaro – é preciso apurar a eventual participação do ex-presidente e de auxiliares em pelo menos parte dessas tramas, mas é impossível negar o viés político dos que as cometeram.
* Artigo para o site Poder 360, continua aqui.