Corações abertos
Por Fernando Molica em 08 de agosto de 2012 | Comentários (0)
Apesar de ser baseado no livro-reportagem homônimo do Fernando Morais, o filme ‘Corações sujos’, de Vicente Amorim, com roteiro de David França Mendes, toca em algumas questões fundamentais para a ficção. A trama se inspira em episódios ocorridos no interior de São Paulo após o fim da 2ª Guerra Mundial. Integrantes da colônia japonesa não aceitavam a derrota do Japão e passaram a matar compatriotas que acreditavam nas notícias sobre a vitória dos Aliados.
Na época, o imperador japonês tinha status de divindade, o que complicava ainda mais a aceitação do fracasso – a lógica religiosa impunha a imortalidade e a invencibilidade dos deuses. Acreditar na derrota representava, portanto, a quebra de todo um sistema lógico sobre o qual se estruturava a vida japonesa. Como diz um personagem: qual a razão de viver se admitirmos a possibilidade de o Japão ter perdido?
Mais do que uma discussão sobre o fanatismo, o filme propõe um questionamento sobre o conceito de verdade. Em que, afinal, acreditamos? Para milhares de japoneses radicados no Brasil, a rendição do imperador – em setembro de 1945 – não ocorrera. Como num romance, eles construíram uma outra verdade, um outro jeito de entender a vida, e passaram a viver a partir desta nova premissa. E, neste ponto, o filme levanta uma deliciosa discussão sobre a relação entre a ficção e vida, sobre os limites de cada uma. Um relato ficcional que nos mobiliza e emociona pode ser chamado de mentiroso?
Quando choramos ao ver um filme ou ler um livro de ficção estamos, na prática, nos rendendo a outra realidade possível. O falso se torna verdadeiro. Aquele filme ou livro deixa de ser uma mentira, uma história inventada, mas sim uma outra realidade, que, muitas vezes, nos ajuda a estabelecer novos parâmetros para nossas vidas, vá lá, reais.
‘Corações sujos’ também pode ser visto como uma metáfora sobre o amadurecimento, sobre as dores do crescimento de uma pessoa ou de uma coletividade. Uma história sobre aqueles momentos em que percebemos que o mundo tem mais dúvidas do que certezas e que nos deuses não estão as respostas para todas as nossas angústias.