Crianças e jovens da Central do Brasil
Por Fernando Molica em 15 de abril de 2014 | Comentários (0)
Coluna ‘Estação Carioca’, jornal O DIA, 14/4/14:
Chocantes, as imagens dos assaltos na área da Central revelam um problema ainda maior que a evidente falta de segurança pública. As fotos e vídeos mostram que os autores daqueles crimes são crianças e jovens — eles, portanto, não deveriam estar na rua, mas dentro de alguma escola. Darcy Ribeiro, em sua santa indignação, costumava dizer que no Brasil tudo tinha dono, menos criança. Afirmava que, se numa viagem pelo interior alguém tentasse pegar uma galinha solta na estrada, logo apareceria alguém para dizer que era o dono da ave.
Mas, continuava Darcy, se o viajante pegasse uma criança, não haveria qualquer problema, não surgiria ninguém para se apresentar como seu dono, responsável por sua criação. Entusiasta da Educação em tempo integral, criador dos Cieps, ele ressaltava que a escola pública brasileira, com suas quatro horas de aulas por dia, era pior que a paraguaia.
Em países europeus não é incomum encontrar pessoas pedindo dinheiro. A pobreza não é tão evidente como aqui, mas está lá, há desemprego e habitações precárias. Mas é praticamente impossível encontrar crianças nas ruas. Isto, porque todas — sim, todas — estão em escolas de tempo integral. A equação é simples: se passam o dia na escola, não é possível que estejam nas ruas.
Há algumas décadas, um amigo brasileiro que vivia em Paris com os pais exilados fugiu da escola para dar uma volta. Logo depois, ele e um colega, companheiro de aventura, foram detidos pela polícia e levados para suas casas. Eles não haviam cometido qualquer crime, apenas não estavam na escola no horário de aulas, o que é irregular. Os pais dos fujões tomaram uma bronca do tamanho da Torre Eiffel. Por lá, descendentes de imigrantes clandestinos têm direito à mesma escola pública frequentada por filhos de médicos, engenheiros, operários, políticos. Este acesso a uma Educação de qualidade permite a possibilidade de rompimento do ciclo que, entre nós, perpetua a pobreza ao longo de gerações.
Por aqui, pecamos até nas boas intenções. O Estatuto da Criança e do Adolescente garante àqueles que busca proteger o direito de “ir, vir e estar nos logradouros públicos”. Ao tentar evitar os muitos abusos contra os mais pobres, comete o absurdo de dizer que rua é lugar de criança. Não é, lugar de criança é na escola, em escolas públicas de tempo integral. Sai caro? Que nada. Caro foi refazer o Maracanã, comprar aqueles trens superfaturados do metrô de São Paulo e adquirir a refinaria ferro-velho de Pasadena.